quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Subsídios para a História - Macau 95 (II)


HOMENAGEM PÓSTUMA

ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (cont.)


Monsenhor, há algum aspecto que, além das razões históricas, singularize Macau das regiões vizinhas?

Macau foi sempre uma terra "sui generis", quer dizer, os portugueses vieram para aqui, nunca houve guerra.É interessante salientar que, o próprio Mao Tzé Tung, quando andavam com críticas, "porque não ocupam Macau", disse: "Macau é diferente de Hong Kong". Nunca os portugueses fizeram guerra à China, nunca! Viemos para aqui em 1557, mas o imperador da China só soube que nós estavamos em Macau em 1582. Portanto, essa balela que o imperador concedeu Macau aos portugueses é mentira, é falsa. Não concedeu, nem podia conceder, porque ele não sabia da existência de Macau.

Só, portanto, 30 anos depois da nossa estada aqui é que, em Pequim, se soube que os portugueses estavam em Macau. Então como é que foi?... Viemos para aqui e começámos a fazer negócios com a China. Na China havia, como ainda há hoje, duas feiras comerciais anuais. Os portugueses vinham de Goa, de Malaca e levantavam umas tendazinhas, depois, iam a Cantão, comerciavam, compravam sedas, traziam a mercadoria para Macau, daqui levavam-na para o Japão e depois para Goa.

E assim foi, sem guerra nenhuma e com a tolerância - tolerância, é a palavra - das autoridades chinesas que sabiam (das autoridades da China do Sul, o vice-rei...) que Macau existia, mas sem permissão oficial (aliás, nem o vice-rei podia dar essa permissão. Só o imperador, que não sabia de nada...). Ora deu-se o seguinte: em 1564, os piratas, ajudados pelos piratas japoneses, cercaram Cantão e o vice-rei, que não podia libertar-se dos piratas e do cerco, pediu ajuda aos portugueses de Macau.

Portugueses de Macau, Manuel Pereira e seu irmão, António Pereira, fizeram, então, duas esquadras e foram a Cantão e com os canhões bombardearam os piratas. Os piratas não conheciam, de forma alguma, a artilharia e, quando ouviram esse bombardeamento, fugiram todos...E assim Cantão salvou-se. E foi a partir dessa altura (1564) que o vice-rei de Cantão e as autoridades chinesas nunca mais nos incomodaram. Não deram nenhum documento oficial para os portugueses estarem em Macau, mas toleraram (a partir de 1564) a nossa presença. Desde essa data, nunca houve interferência nenhuma da parte dos chineses para nos expulsarem de Macau. E aqui continuámos. Continuámos... Só em 1587 é que, oficialmente, Tomás de Sousa Rosa, que havia sido governador de Macau, foi nomeado nosso diplomata junto da corte de Pequim para assinar um tratado oficial em que se diz: "a China reconhece a perpétua ocupação de Macau pelos portugueses, como qualquer território português". Isto contra o que se argumenta por toda a parte.

Mas em 1987, precisamente quatro séculos depois, foi o nosso primeiro-ministro, Cavaco Silva, que foi a Pequim e assinou a chamada Declaração Conjunta, em que se diz que Macau é território chinês.

Portanto, desde 1987 é que é território chinês. Antes não era. Era território português.

E então, como disse, Macau tem sido sempre o refúgio de todos os perseguidos e durante a Guerra, não só durante a Guerra, a China foi ocupada pelos comunistas e os missionários (todos), estrangeiros, as religiosas. Foram todos expulsos da China. E Macau foi novamente o refúgio de todos eles, quer padres, quer madres, vieram todos para Macau. O território está cheio de missionários estrangeiros.

De maneira que a grande glória de Macau é ter sido zona de acolhimento.

Quanto à identidade de Macau é esta: os portugueses deram-se sempre bem, nunca fizeram guerra à China, sempre pacíficos. Os chineses também, com o negócio que faziam com os portugueses estavam imensamente satisfeitos e, portanto, com paz contínua.

Decorridos estes séculos de convivência racial, o que é que vai permanecer?

Na minha opinião, a língua, mas vai ser muito difícil manter-se. Será absorvida. Somos uma gota de água no meio de um oceano tremendo. Há um bilião e 300 milhões de chineses. Ora isto vai absorver completamente a nossa gente e nós, infelizmente, nunca tivemos aqui em Macau a cultura e língua portuguesas, porque muitos não compreenderam. Embora fosse verdade que não precisávamos: o negócio estava todo nas mãos dos chineses, todo. Não havia negócio português, não havia coisa nenhuma nas nossas mãos e, portanto, os portugueses só compravam aos chineses o que precisavam e não precisavam de falar...Os chineses também não precisavam de aprender português porque não tinham nenhumas relações comerciais com os portugueses e, portanto, houve sempre separação, embora amigável. É claro, que também não houve convergência de culturas nenhuma. A única convergência que houve foram as visitas que, de Macau, fizemos, em 1583, à China. Sabe-se que estivemos em Pequim em 1610. Eram grandes sábios que levantavam então o Observatório Astronómico de Pequim (foi levantado pelos jesuítas) e ali reformaram o calendário chinês, porque toda a vida social e política do país girava à volta do Calendário. As suas festas, etc. etc., eram todas determinadas pelo Calendário.

Os jesuítas descobriram erros no Calendário, reformaram-no completamente e a China adoptou-o oficialmente. Foram os portugueses, na pessoa dos jesuítas, que levaram à China a cultura europeia. Houve jesuítas que traduziram para o chinês as grandes obras de Euclides, obras de Matemática de Euclides, as grandes obras dos gregos. Depois as obras europeias e tudo isso foi introduzido na China pelos jesuítas.

Este foi o grande contributo intelectual e cultural de Macau para com a China, e a China reconhece, e tem de reconhecer, porque ainda hoje existem relíquias desse Observatório Astronómico em Pequim, que está bem conservado. Lá temos também as nossas igrejas restauradas pelos chineses, temos lá um cemitério que o imperador deu em 1610 aos jesuítas, onde estão sepultados todos os padres portugueses lá falecidos.

Mas esta fúria, diria, de construção de monumentos, um aqui, outro acolá, esta febre, estes programas de televisão que ensinam português aos chineses e cantonês e mandarim aos portugueses... O que é que vai permanecer?...

Os portugueses são sempre os "homens do caldo verde..."

???

Vai fazer-se tal coisa... Sim, senhor!... Não se preparam. Na véspera, cozinha-se um caldo verde e pronto...Deveriamos treinar mais... Mas não: um mês antes começa tudo a correr... Resultado, nunca damos nada...É a tal coisa do caldo verde: à última hora, está tudo cozinhado e... Agora a mentalidade portuguesa é esta: a árvore das patacas...

Estamos aqui por causa da pimenta?...

Esta febre toda é uma febre momentânea que se orienta pelo "levem quanto puderem..." Mas isso não é para ficar, é para levar... E, portanto, o patriotismo dos portugueses é encher os bolsos e levar para Portugal...

Afinal, Portugal em Macau tem sido missão, pimenta, aventura, o quê?...

Bom, foi cultura...

Está, então, a ser pimenta?...

Sim...

E tem alguma coisa de aventura?... Tem alguma coisa de Fernão Mendes Pinto?...

Agora é muito fácil... Agora não há Fernão Mendes Pinto. Agora há um avião que sai de lá ontem e chega cá hoje... Pronto!...

.../...








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