sábado, 26 de dezembro de 2009

"Quarto de Despejo" - visinhos de alvenaria


Que coisa terrível esta, Catarina: tu escreves, eu transcrevo, ele transcreve, nós abominamos, os ricos dizem detestar, Lula é votado, o Brasil apresenta melhores estatísticas nacionais, mas a favela continua, a droga prolifera, o jogo do bicho está para ficar - e o Carnaval também. À noite não podemos parar nos sinais vermelhos de trânsito por causa dos assaltos...Mas o Rio de Janeiro é das cidades mais bonitas do Mundo... O que fazer a tudo isto, Presidentche? O que é que achas, Catarina? Terão algum interesse para os favelados as passagens do "Quarto de Despejo" que aqui tenho vindo a deixar? Talvez, Catarina, talvez! Talvez estejamos perante a história das duas rãs que caíram num vaso de leite: uma morreu logo afogada; a outra tanto deu às patas que se salvou com a nata que fez...

Prossigamos...Até que a nata lhes doa...

"...Os visinhos de alvenaria olha os favelados com repugnancia. Percebo seus olhares de odio porque eles não quer a favela aqui. Que a favela deturpou o bairro. Que tem nojo da pobrêsa. Esquecem êles que na morte todos ficam pobres.

O que eu sei é que a praga dos favelados pega. Quando nós mudamos para a favela, nós iamos pedir agua nos visinhos de alvenaria. Quem nos dava agua era a Dona Ida Cardoso. Treis vezes vêzes ela nos deu agua. Ela nos disse que nos dava agua só nos dias uteis. Aos domingos ela queria dormir até mais tarde. Mas favelado não é burro. Foi vacinado com sangue de burro.Um dia foram buscar agua e não encontraram a torneira do jardim, onde os favelado pegava agua. Formou-se uma fila na porta da Dona Ida. E todos chamavam:

- Eu queria agua para fazer a mamadeira. Meu Deus, como é que nós vamos fazer sem agua?

Nois iamos noutras casas, batiamos na porta. Ninguem respondia. Não aparecia ninguem para nos atender, para ouvir isto:

- A senhora pode nos dar um pouco dagua?

Eu carregava agua da rua Guaporé. Do deposito de papel. Outros trasia agua do Serviço, nos garrafões."

2 comentários :

  1. Marcial,
    há muito não espreitava o seu jardim. Como gosto de me demorar por ele, reservo sempre para quando me dou ao luxo de me comprazer com as vistas. Fixei-me, desta vez, no seu recanto, agora meu dilecto, «Quarto de despejo», e percorri-o com emoção, memória, doçura, admiração.
    Vou partilhar agora o seu/ meu recanto com os amigos do Facebook.
    Dulce Teixeira

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  2. Dulce
    Muito obrigado pelo seu generoso comentário. E pela simpática divulgação que vai fazer do meu blogue.Levo esta "nova" via de comunicação muito a sério. Depois de anos com espaço para escrever
    em jornais,é-me particularmente grato NÃO TER censura - e, pelo contrário, ter palavras como as suas. Bem-haja! Conheço o Rio por lá ter estado em serviço várias vezes.Como noutras partes dos 5 continentes.Um abraço. Marcial.

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