Caros Senhores
A bem dizer, isto não é uma carta, é um simples, muito simples, recado escrito e aberto a quem manda, ou melhor, a quem está no Poder, no caso, muito próximo da rua do jardim... É simples. Só podia ser, como é o caso, enviado por um ex-trabalhador. Quer dizer, que já não é. Foi. E foi-o durante 48 anos (quarenta e oito anos, tomem nota).
Apesar de tudo, o escrito é breve. O que pode acontecer é que circule... Embora, contenha eventuais intimidades...
Por exemplo: aí por altura dos meus doze, treze anos, o sr. Alberto, que Deus tem, era dono de uma pequena camioneta de aluguer, estacionada, de segunda a sábado, no largo da Estrela, em Lisboa (próximo, portanto, deste que é agora "o meu banco". Só tenho este...). Transportava mobílias, "bidons" com leite que ia buscar às tetas das vacas dos arredores da capital; de vez em quando chamavam-no do Jerónimo Martins, que lhe alugava o transporte; lembro-me de o saber a levar mármores, não sei para onde, de uma oficina de cantarias que havia em Campo de Ourique ...
Vivia assim. À noite, jogava à sueca, em casa, com os amigos, ou ficava-se a ouvir um fadinho da Amália Rodrigues, de que D. Rosário, sua mulher, gostava muito...
Fui seu "cobrador". E o que venho aqui dizer HOJE é simples: não declarei às Finanças, nem o meu pai por mim, os 100, 150$00 com que, de vez em quando, o ti Alberto me gorjetava ...
De resto, de quando me começaram a dar o nome de trabalhador, não me lembro ter falhado com um tostão sequer às Finanças... Ou melhor, se alguém falhou, terá sido o velho "Diário de Notícias" que, para oficialmente não me aumentar, a certa altura, me começou a dar 150$00 "por fora..." Mas nada que atingisse coisa que se visse, em termos de Fazenda Pública. De resto, eu deveria ter, na altura, uns 17/18 anos... Penso que já existia uma coisa que se chamava Imposto Profissional, mas ainda não era comigo...
Entretanto, daí para cá, foi, até me reformar, sempre a pagar, sempre a pagar - COMO TODA A GENTE (ou quase...), aliás.
Moral da história: do que entreguei ao longo de 48 anos (não incluem, como se deixa ver, as gratificações do sr. Alberto, da camioneta), estou a receber uma reforma, uma espécie de reembolso, do saldo que foram (foram?) guardando para quando eu já não pudesse...Ou não devesse estar ao serviço...
Entretanto, tinha chegado a liberdade.
Melhoraram os Serviços de Saúde, é verdade.
Passámos a ter mais auto-estradas, confirmo.
Posso dizer que não estou satisfeito, posso.
Mas ... mas está-me cá a parecer que a chamada democracia começa a adormecer: fala-se de uma Justiça pouco justa, fala-se de uma juventude culta, mas desempregada, fala-se de gente a ir aos caixotes do lixo dos supermercados, fala-se de "tachos" por todo o lado ... Mas o que é isto?...
De que vale a um cidadão a comprovada entrega, ao Poder Democraticamente Eleito, de uma parcela do seu suor? Que direito têm os políticos de ir ao cofre que eu lhes aluguei, no meu interesse e no dos meus concidadãos - e dizerem AGORA, sem mais aquelas, "dá cá" ?... O interesse público exige discussão. Exige o quê?!... Quem exige sou eu: mostrem lá se foram, ou não, honestos, se os vossos argumentos são credíveis, ou não. Mostrem!...
O que eu sei é que tenho saudades do sr. Alberto. Ele é que tinha razão. Dava-me aqueles tostões limpinhos - e eu entregava-os à minha mãe, que era ministra das finanças lá de casa, e que, de vez em quando, me comprava uma gravata nos chineses. 10$00!
Malandros! Piratas!... É coisa que se faça?... Leiam Fialho, leiam Eça, leiam Ramalho e vão ... vão para ... para o trabalho, que se faz tarde.
Entendam-se! E não mexam nas minhas economias sociais, ou faço queixa ... faço queixa a ... Olhem, faço queixa a Bruxelas, por exemplo.
Pode não haver razões para saudades doutros tempos, mas há uma coisa que eu sei, tenho a certeza: OS SENHORES NÃO VÃO FICAR NA HISTÓRIA do meu País. Ou, se ficarem, vão figurar num "pos-scriptum", sem relevância que se transmita às novas gerações. Sem terem dado uma para "a Caixa"...
M.A.
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