sábado, 26 de março de 2011

Canteiro de palavras ( XII ) - O velho barqueiro


"Govinda demorou-se algum tempo com outros monges, descansando no jardim dos prazeres que a cortesã Kamala oferecera aos discípulos de Gotama. Ouviu falar de um velho barqueiro que vivia junto ao rio, a um dia de viagem, e a quem muitos consideravam um sábio.

Quando retomou a sua caminhada, decidiu seguir a estrada que o levaria até esse barqueiro, ansioso por vê-lo, pois, embora tivesse vivido toda a sua vida de acordo com as regras, embora fosse respeitado pelos monges mais jovens devido à sua idade e discrição, no seu coração ainda não se apagara a inquietação e a procura.

Chegou ao rio, pediu ao velho que o transportasse e, quando desceram do barco na outra margem, perguntou-lhe:

- Revelaste muita bondade na maneira como nos tratas, monges e peregrinos; transportaste já muitos dos nossos. Não és tu também, barqueiro, um homem à procura do caminho certo?

Siddhartha disse, os velhos olhos sorrindo:

- Chamas a ti mesmo um homem à procura, ó Venerável, embora sejas já de idade avançada e uses o manto dos monges de Gotama?

- Sou realmente velho - disse Govinda -, mas ainda não desisti de procurar. Nunca desistirei de procurar, tal é a minha decisão. Também tu, pelo que me parece, andaste à procura. Quererás dizer-me uma palavra, Ó Venerado?

Siddhartha disse:

- O que poderia ter eu a dizer, ó Venerável? Talvez dizer-te que procuras demasiado? Que enquanto procurares nunca conseguirás encontrar?

- Como assim? - perguntou Govinda.

- Quando alguém procura - respondeu Siddhartha - pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque está possuído por esse objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos. Tu, Venerável, és talvez um homem à procura, pois, perseguindo o teu objectivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante os teus olhos."

Hermann Hesse in Siddhartha

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