"O grande sonho requer certas circunstâncias sociais. Um dia que, embevecido por certo movimento rítmico e dolente do que escrevera, me recordei de Chateaubriand, não tardou que me lembrasse de que eu não era visconde, nem sequer bretão. Outra vez que julguei sentir, no sentido do que dissera, uma semelhança com Rousseau, não tardou, também, que me ocorresse que, não (tendo) tido o privilégio de ser fidalgo e castelão, também o não tivera de ser suíço e vagabundo.
Mas, enfim, também há universo na Rua dos Douradores. Também aqui Deus concede que não falte o enigma de viver. E por isso, se são pobres, como a paisagem de carroças e caixotes, os sonhos que consigo extrair de entre as rodas e tábuas, ainda assim são para mim o que tenho, e o que posso ter.
Alhures, sem dúvida é que os poentes são. Mas até deste quarto andar sobre a cidade se pode pensar no infinito. Um infinito com armazéns em baixo, é certo, mas com estrelas ao fim... É o que ocorre, neste acabar de tarde, à janela alta, na insatisfação do burguês que não sou e na tristeza do poeta que nunca poderei ser."
Em dia difícil para Portugal, releio Pessoa e vou ouvir as notícias no interior do meu quarto andar. Se, logo a tarde, me sentir abafado, sento-me na varanda a pensar o mundo - que há mais mundo, e gente honesta, creio, para além dos telhados... Ou naquele combóio de que "falou" há bocado uma amiga minha, no mail cheio de saberes que me enviou.
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