Lembradas as cartas de marear a que se referiu D. Francisco Manuel de Melo, não quero abusar, mas, embora estejamos em regime WEB, arrisco um pedaço de...de saudade para os que me são mais fiéis - não desfazendo...
"Grande Lisboa, 2007
Nascido em Lisboa, pais entregues, em paz, às permanentes transformações da natureza, um dia deu-me a veneta da saudade e, do alto do zimbório da basílica da Estrela, jardim e ruas conhecidas a meus pés, consentiram-me um filme amador. O sr. padre disse que sim, ter-me-á sentido forte no querer, e abriu a excepção, em tempo de bombas escondidas...
Subi não sei quantos degraus e desviei-me não sei quantas vezes, no caracol, das armadilhas da electricidade encanada que me íam atrapalhando o "heroísmo".
Aqui uma caixa a rebentar de fios, ali um holofote à espera da noite, em toda a parte luzes apagadas e, de fora, o sol a alumiar os degraus daquela espécie de saca-rolhas em pedra rumo à varanda, quase até à cruz mais alta da basílica, a léguas das nuvens que, naquele dia, no céu mais luminoso do mundo, borregavam a minha cidade.
Levei fados comigo. Gravados em geringonça moderna. Músicas e vozes escolhidas, com sentimento, em solo caseiro, quase retiro.
Máquina de filmar à tiracolo e muita, muita vontade de, lá do alto, ausentes presentes, lembrar, microfone aberto, jogos de pião, baloiços, corridas, pulos, berlindes, gargalhadas, pão com manteiga, sombras, árvores, namoros, janelas. O fumo das castanhas, o "jardim da burra" (da Sagrada Família, dizem os guias turísticos), os eléctricos Prazeres-Graça, os formigueiros de gente, as bancas dos jornais, o expedidor da Carris. Os funerais. Os funerais, sim. Que os houve de grande pompa e sentimento a partir daquele adro cheio de pompons à volta. Como o de Amália, que foi cantado.E muitos, muitos outros com flores que esconderam carretas a 10 à hora.
Estou grato ao sr. prior da basílica da Estrela (mais tarde, bispo) por me ter deixado ver o telhado da minha velha e esconsa casa. Estou grato ao sr. prior por me ter autorizado a emoção de, só, nos píncaros, estar mais perto, numa assentada, das muitas ruas que conheceram passos que não voltarei a ver.
Havia no ar uma oração. De que agora faço esta espécie de carta ao depois de amanhã, num blog que hei-de dar a ler...Não sei, ao certo, quando.
PS
Antigamente, no cinema Paris, a dois passos da basílica passavam fitas todos os dias às 15 e às 21 horas (a minha mãe, das suas águas furtadas, via-me entrar e dizia-me adeus...). Houve uma época em que, em certo dia da semana, às 18.30 h, tínhamos um programa de variedades ao vivo. Agora o espectáculo são as ruínas do edifício - há largos anos. Mas, do zimbório, quem não souber também não vê..."
"Grande Lisboa, 2007
Nascido em Lisboa, pais entregues, em paz, às permanentes transformações da natureza, um dia deu-me a veneta da saudade e, do alto do zimbório da basílica da Estrela, jardim e ruas conhecidas a meus pés, consentiram-me um filme amador. O sr. padre disse que sim, ter-me-á sentido forte no querer, e abriu a excepção, em tempo de bombas escondidas...
Subi não sei quantos degraus e desviei-me não sei quantas vezes, no caracol, das armadilhas da electricidade encanada que me íam atrapalhando o "heroísmo".
Aqui uma caixa a rebentar de fios, ali um holofote à espera da noite, em toda a parte luzes apagadas e, de fora, o sol a alumiar os degraus daquela espécie de saca-rolhas em pedra rumo à varanda, quase até à cruz mais alta da basílica, a léguas das nuvens que, naquele dia, no céu mais luminoso do mundo, borregavam a minha cidade.
Levei fados comigo. Gravados em geringonça moderna. Músicas e vozes escolhidas, com sentimento, em solo caseiro, quase retiro.
Máquina de filmar à tiracolo e muita, muita vontade de, lá do alto, ausentes presentes, lembrar, microfone aberto, jogos de pião, baloiços, corridas, pulos, berlindes, gargalhadas, pão com manteiga, sombras, árvores, namoros, janelas. O fumo das castanhas, o "jardim da burra" (da Sagrada Família, dizem os guias turísticos), os eléctricos Prazeres-Graça, os formigueiros de gente, as bancas dos jornais, o expedidor da Carris. Os funerais. Os funerais, sim. Que os houve de grande pompa e sentimento a partir daquele adro cheio de pompons à volta. Como o de Amália, que foi cantado.E muitos, muitos outros com flores que esconderam carretas a 10 à hora.
Estou grato ao sr. prior da basílica da Estrela (mais tarde, bispo) por me ter deixado ver o telhado da minha velha e esconsa casa. Estou grato ao sr. prior por me ter autorizado a emoção de, só, nos píncaros, estar mais perto, numa assentada, das muitas ruas que conheceram passos que não voltarei a ver.
Havia no ar uma oração. De que agora faço esta espécie de carta ao depois de amanhã, num blog que hei-de dar a ler...Não sei, ao certo, quando.
PS
Antigamente, no cinema Paris, a dois passos da basílica passavam fitas todos os dias às 15 e às 21 horas (a minha mãe, das suas águas furtadas, via-me entrar e dizia-me adeus...). Houve uma época em que, em certo dia da semana, às 18.30 h, tínhamos um programa de variedades ao vivo. Agora o espectáculo são as ruínas do edifício - há largos anos. Mas, do zimbório, quem não souber também não vê..."
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