quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Gatos ou Farpas?


Uma vizinha da minha prima Estrela, D. Luísa, que, pela pinta, me dá ideia que anda aí pela idade da pré-história da menopausa, é uma dedicada e cega amante de gatos. Está no seu direito.

Duvido, entretanto, que tenha outros amores. Os que se lhe conhecem bem são, de facto, gatos que andam na rua e que acodem ao nome que lhes vai pondo, à medida que nascem nas diversas maternidades felinas das redondezas, onde, faça chuva ou faça sol, sempre aparece (com o mesmo arroz de peixe, embora) a prestar a assistência que acha devida à espécie.

Há quem lhe admire a determinação do voluntariado, mas, não dizendo, se irrite com a, por vezes, promiscuidade com que vive os seus amores bichanos.

Para falar verdade, nas imediações da casa da prima Estrela, ninguém gosta dela, a não ser uma ou outra carente ou solteirona que, compreensivelmente, saúda os gestos (e os restos) da D. Luísa, grande e generosa mãe adoptiva dos perseguidores de ratos da zona. Louvável mãe adoptiva, dirão alguns, algumas. Com pequeno-grande senão, acrescentaria eu que, embora admire os gatos (Fialho de Almeida: "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e fez o crítico à semelhança do gato"), sou mais de cães: aquilo não é amor, pelo menos daquele que abraça. Aquilo são carências. É falta de amor onde este significa paz. É, quiçá, amor à manha... Não é realização afectiva sem palavras.

Na rua onde mora a prima Estrela, já houve quem se queixasse à Junta de Freguesia, à autoridade concelhia de saúde do que, de tudo, sobra para as ratazanas... Não adianta. Para a D. Luísa, os gatos são razão de sobrevivência pessoal. Quem a conhece bem, percebe isso: ela própria escolheu, no seu dia-a-dia, ser, nos gestos e nas atitudes, gata... Marca o terreno e vive bem assim. Embora, embora: "Os direitos do teu dedo terminam onde começa o meu nariz".

Entre um gato e um homem, prefere o gato que, chegada a hora, lhe adormece no regaço... Pobre D. Luísa!... Falta-lhe só conseguir gostar de GENTE que gostasse de gente, e de gatos, e de cães, e de árvores podadas e felizes.

Num mundo em que ainda há quem nem um prato de arroz sem peixe tenha para comer todos os dias... Nem afectos todos os dias... Nem calor todos os dias... Nem água limpa todos os dias... Nem um colo de vez em quando...

Falam numa homenagem à liberdade... Sim! Admiro Fialho de Almeida, mas apesar de tudo, gosto mais de Ramalho Ortigão e das suas "Farpas". Espetadas de caras.

Disse.

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