quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

"Quarto de Despejo" - "prefiro escrever"




Para a Marta, cujos comentários iniciais tanto me impressionaram e motivaram...

Olá, Catarina (ou Carolina, tanto faz...)!

Hoje, onde tinhamos conto, vamos ter romance. Brutal, como é a tua vida, a vida de um favelado. No Brasil como no Haiti, consciencializámo-lo agora, quem sabe, com um alerta, uma zanga brutal da Natureza, com que nos casaram...

"Deixei o leito as 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou a despontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. (...) Fui no Arnaldo buscar o leite e o pão. Quando retornava encontrei o senhor Ismael com uma faca de 30 centimetros mais ou menos. Disse-me que estava a espera do Binidito e do Miguel para matá-los, que êles lhe expancaram quando êle estava embriagado.

Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro de alcool , disisti. Sei que os ebrios não atende. O senhor Ismael quando não está alcoolizado demonstra sua sapiencia. Já foi telegrafista. E do Circulo Exoterico. Tem conhecimentos biblicos, gosta de dar conselhos. Mas não tem valor. Deixou o alcool lhe dominar, embora seus conselhos seja util para os que gostam de levar uma vida decente.

Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia.

Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.

Terminaram a refeição. Lavei os utensilios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homens em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortavel, mas não é possivel. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me a andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.

...Durante o dia, os jovens de 15 a 18 anos sentam na grama e falam de roubo. E já tentaram assaltar o emporio do senhor Raymundo Guello. E um ficou carimbado com uma bala. O assalto teve inicio as 4 horas. Quando o dia clareou as crianças catava dinheiro na rua e no capinzal. Teve criança que catou vinte cruzeiros em moeda. E sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz foi severo. Castigou impiedosamente.

Fui no rio lavar as roupas e encontrei D. Mariana. Uma mulher agradavel e decente. Tem 9 filhos e um lar modelo. Ela e o espôso tratam-se com iducação. Visam apenas viver em paz. E criar filhos. Ela tambem ia lavar roupas. Ela disse-me que o Binidito da D. Geralda todos os dias ia prêso. Que a Radio Patrulha cançou de vir buscá-lo. Arranjou serviço para êle na cadêia. Achei graça. Dei uma risada!... Estendi as roupas rapidamente e fui catar papel. Que suplicio catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu não ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o pêso do saco na cabeça e suporto o pêso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.

Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Êles não tem ninguem no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.

Aqui, todas impricam comigo. Dizem falo muito bem. Que sei atrair os homens. (...) Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.

...Não posso sair para catar papel. A Vera Eunice não quer dormir, e nem o José Carlos. A Silvia e o marido estão discutindo. Tem 9 filhos e não respeitam-se. Brigam todos os dias.

...Vendi o papel, ganhei 140 cruzeiros. Trabalhei em excesso, senti-me mal. Tomei umas pilulas de vida e deitei. Quando eu ia dormindo despertava com a voz do senhor Antonio Andrade discutindo com a espôsa."

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