terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (VIII)

Portugal, Macau, a bandeira portuguesa contra o peito, nas mãos de Rocha Vieira.

Monsenhor Manuel Teixeira, aqui, neste espaço em que nunca sonhei... A emoção da entrevista que fica para além de...

A oportunidade de dar voz - quando a voz já não se ouve.

A alegria de escrever aqui o que outros disseram em liberdade, à sombra de uma bandeira que, entretanto, deixou de ser a mesma...

Segunda entrevista, de um total de mais de uma dezena para revelar ao longo dos próximos meses... Portugal junto ao peito...




ENTREVISTA com

Celina Veiga de Oliveira


"Curriculum". Fale-me de si...

Chamo-me Celina Veiga de Oliveira, sou licenciada em História, em Coimbra. Depois, em 1970, fui para Lisboa dar aulas no ensino secundário e, em 1980, vim para Macau, dar aulas de História no Liceu Nacional Infante D.Henrique, que já não existe.

É uma das transformações verificadas em Macau, em relação ao tempo em que vim cá pela primeira vez.

Entretanto, comecei a interessar-me pela história do território, fazendo alguma investigação no Arquivo Histórico: comecei com as obras do padre Manuel Teixeira, do Boxer, do padre Benjamim Videira Pires*, de Jack Braga, que é um português que esteve na Austrália. Nos clássicos, as fontes ocidentais, naturalmente, porque nós temos esse grande problema que é não sabermos falar, nem ler, chinês...

E depois eu própria decidi fazer uns pequenos trabalhitos na área da história de Macau... E, a partir de 1987, comecei a ser mesmo professora de História de Macau. Que, aliás, ainda sou no Instituto Politécnico, com a cadeira História de Macau e História Concisa das Relações da China com o Ocidente.

Para além disso, tenho também uma paixão que se chama Camilo Pessanha, que foi um poeta português, simbolista, que veio para Macau em 1894 para ser professor do liceu. Ele era jurista, tinha-se licenciado em Direito, em Coimbra. Era um intelectual que, como todos os outros, como Wenceslau de Morais, tinha vindo à procura do fascínio do Oriente, do sortilégio oriental, mas que é considerado um dos maiores simbolistas portugueses. Foi juiz aqui em Macau, conservador do registo predial.

Há muita coisa acerca do Camilo Pessanha...Tornou-se opiomano, deixou uma obra lindíssima e eu estive a fazer, há uns anos, uma investigação no Tribunal sobre exactamente a parte que não é conhecida, que é como profissional da lei, como juiz, como advogado também, etc.

À parte disso, sou uma das velhas residentes de Macau, porque já entrei no 16º ano de Macau, mas pertenço aos quadros da República. Estou aqui requisitada...

Há algum aspecto que, a seu ver, para além das razões históricas, singularize Macau?

Há! Muita da política cultural do governo actual é, exactamente, afirmar e segurar, preservar essa singularidade. Porque, senão, Macau desaparece naturalmente. Para já é um ponto da geografia onde existem portugueses e onde existem chineses e macaenses, esse produto hibrido da ligação entre portugueses e chineses. Onde existem filipinos, onde existem tailandeses, onde existe um série muito grande de pessoas que, de facto, aqui vive e convive com imensa paz.

Essa coexistência, se quiser que lhe explique, sobretudo, entre duas comunidades principais, nem sempre foi pacífica, e posso fazer-lhe uma rápida resenha histórica. De qualquer modo é uma das coisas que singulariza...

Depois, outra coisa que singulariza é o aspecto físico de Macau. É que Macau, ainda, infelizmente, tem muitos aspectos que o ligam à história, que o liga ao passado, que o liga aos tempos que o antecederam, porque Macau tem mais de 400 anos de existência e é especial porque existem aqui ocidentais, que, se não existissem, a história de Macau teria sido banalíssima, igual à destas regiões do sul da China. Portanto, não teria tido este interesse.

O que é que Macau oferece de especial aos turistas que aqui vêm? Macau é atracção pelo facto de, para além de ser cosmopolita, encher mais rapidamente os olhos da pessoa que aqui chega. Tem um bocadinho daquelas características de exotismo que, de certa forma, povoam o nosso imaginário.

Quando atravessamos a zona nobre e nos aparece uma viela, logo ao lado encontramos pequenos lugares onde, de facto, a afirmação do chinês e da vida chinesa se encontram perante os nosso olhos. Isto é muito engraçado, porque essa coexistência entre o cosmopolitismo e a vida febril e moderna, com certas pecularidades, fazem parte da vida pacata de um chinês...


Se lhe pedisse, num esforço de síntese, dez nomes de portugueses que tenham marcado a nossa presença, e porquê, aqui em Macau, quais citaria?



Uma figura que vai ficar, necessariamente, na história de Macau, que desapareceu em 1992, chama-se Carlos Paes de Assunção, que foi o primeiro presidente da Assembleia Legislativa. Era um homem notabilíssimo, um grande amigo.


A propósito do Dr. Carlos Assunção, o Dr. Almeida Santos teve uma síntese felicíssima. Dizia que era uma mistura perfeita do que havia de bom no chinês e no português. Era, de facto, macaense, mistura de sangue. Era, na verdade, muitíssimo inteligente, muito culto, muito vivo, muito bom e tinha um profundo amor por esta sua terra.


Viveu sempre em função de Macau. Enriqueceu como advogado. A partir da altura em que garantiu alguma independência económica, dedicou-se profundamente ao território. Nunca mais desistiu e nunca mais esteve na sombra dos acontecimentos... Esteve sempre no primeiro plano.


Claro que nunca foi governador, também não queria, mas esteve sempre no órgão em que se sentia mais à vontade, que era o órgão legislativo. Era um grande homem de leis. Era um cidadão brilhante em qualquer parte do mundo, não era apenas brilhante à escala de Macau.


Seria um homem brilhante em Portugal. Aliás, licenciou-se com 17 valores e, quando acabou com 18 o sexto ano jurídico, foi convidado para ficar em Coimbra, na velha Faculdade de Direito. Não quis, quis vir trabalhar para a sua terra.


Outra, uma senhora: a Drª Graciete Batalha, que morreu também em 1992, no dia 5 de Outubro. Era uma grande estudiosa dos dialectos, mais específicamente do dialecto de Macau, do "papiá cristã de Macau", que estudou com profundidade. Tem livros publicados e é uma senhora que, em universidades, em escolas superiores de educação, etc, será cada vez mais estudada, porque não há muita gente que tenha dedicado, com tanto rigor científico, como ela fez, o seu tempo ao dialecto cristão de Macau, o papiá cristão, o "patois", como normalmente as pessoas costumam dizer e que está em desuso, está a terminar.


E, portanto, os livros dela são verdadeiras relíquias científicas para quem gostar de linguística.


Outra pessoa: o padre Manuel Teixeira, que ainda está vivo. É aquele senhor de barbas brancas...


As obras dele, nalguns casos, como disse uma vez em que fui apresentar um livro seu, "Os Japoneses em Macau", são fontes para os estudiosos, porque ele transcreve, em certas obras, documentos que não se sabe onde estão e, portanto, são já de si fontes.


As informações que eles dão - não quer dizer que eu concorde em absoluto com o estilo da historiografia produzida - são importantes. É um homem que escreveu sobre tudo. Ainda é o nosso grande informador sobre o passado de Macau.


Outra figura espectacular que, infelizmente, está muito doente, é o padre Benjamim Videira Pires*, jesuíta, grande historiador.


É um homem com uma visão talvez mais profunda da cultura. Que estudou, por exemplo, aquilo que une e separa a mentalidade portuguesa da chinesa. Tem uma visão mais cultural da história de Macau. Também é um grande historiador, também é um senhor que é muito importante para Macau.


Mas eu não queria só falar das pessoas ligadas à história. Até parece que só a história é que é importante, e não é...


Já agora, é ilustre, é muito falado, é muito polémico, e é ilustre por que, apesar de não gostar dele, ou de certas pessoas não gostarem dele, também, de certa forma, foi um homem que virou a história de Macau: o governador João Ferreira do Amaral, do século XIX (entre 1846 e 1849), pelas medidas que imprimiu à política de Macau. Criou condições para que, "de facto", o território passasse a ser um lugar onde a soberania portuguesa fosse uma evidência...Preparou o caminho para "de jure", quer dizer, mais tarde, isso viesse a verificar-se com o Tratado de 1887.


Mas isto é muito complexo. Não é possível, numa breve síntese como esta, explicar que a soberania portuesa em Macau nunca foi total, foi sempre uma soberania controlada...


Avance um pouco mais... Parece-me nuclear...

* Vindo de Goa, tive, em Macau, uma conversa com o padre Videira Pires, que, sabendo-me no início de uma Volta ao Mundo, entusiasmado, mas distraído, me ofereceu uma garrafa de VINHO DO PORTO - que tive que, registada a grande e simbólica atenção, discretamente, deixar em Macau. Foi um momento emocionante. Bem-haja, Padre!
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