quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (V)


HOMENAGEM PÓSTUMA




ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (cont.)

Mas Buda não é tolerante?

Também. É, é por isso que o budismo tolera-nos a nós e nós toleramos o budismo. Nós é que mandamos em Macau há quatro séculos, mas nunca destruímos pagode nenhum, porque em várias terras os portugueses chegaram e começaram a destruí-los... Em Macau, não! Macau foi sempre calmo, nunca destruiu coisa nenhuma, demo-nos sempre bem com todos e ainda hoje nos damos bem com todos.

Por exemplo, eu tenho sido, durante toda a minha vida, uma espécie de guia turístico e levo os turistas a todos os pagodes. Já todos me conhecem lá. E então sorriem. Os bonzos todos...

Agora tenho ido pregar na igreja protestante. O pastor convida-me sempre para ir lá pregar. Eu conheço a história, eles gostam de história.

Aqui em Macau, isso nota-se, há convergência de culturas, de religiões, de comércio, de tudo... Aqui há um bem-estar extrordinário. Nunca houve guerra, os chineses adoram-nos e nós gostamos dos chineses...

Mas imaginemo-nos em 1999 e a China tomou, de direito e de facto, conta do território, respeitando aquilo que consta da tal Declaração Conjunta... Vamos continuar a poder
ser cristãos, budistas ou protestantes?...

Quanto a isso, tenho que dizer-lhe que Cristo há-de vencer sempre, como venceu durante as perseguições romanas. Trezentos anos O perseguiram, milhares de vezes O crucificaram, milhões de mortos caíram e, no entanto, a Igreja levantou-se sempre cada vez mais gloriosa e mais sublime na sua missão espiritual. E Macau também. Em Macau podem destruir as igrejas, destruir os colégios, podem fazer o que quiserem, mas não fazem isso porque temos a Declaração Conjunta, em que se comprometem a respeitar a nossa religião, a respeitar os conventos, os hospitais, as escolas dirigidas pelos religiosos.

Mas, para além disso, como a religião católica é a verdadeira, mais cedo ou mais tarde, a Igreja levantar-se-ia e brilharia sempre.

Mao Tze Tung caíu e desapareceu. Esses grandes comunistas, Estaline e companhia, caíram e desapareceram. O Hitler desapareceu, mas Cristo continuou sempre e há-de continuar, tanto aqui, em Macau, como na China.

Mas face às mudanças de 1999, quais são as expectativas dos macaenses?

Os macaenses devem ter um pouco mais de fé no futuro. Estou constantemente a dizer isso. Mas estão muito desanimados e todos querem, todos, ter uma casa em Portugal, para fugir. E eu aconselho o contrário. Tenho a experiência de Singapura. Estive lá durante a mudança, em que os ingleses saíram e os indígenas é que tomaram conta.

Não me venham dizer que agora são comunistas, não. Porque naquela altura, o governo que tomou conta de Singapura era comunista (Partido de Acção Popular) e fugiu quase toda a gente (eu era o pároco). "Não fujam, isto não é o fim do mundo...", disse-lhes. Daí a pouco começaram a voltar quase todos... E hoje Singapura está melhor do que era ...

Para mim, o que vai suceder é isto: deixem-se estar todos como estão, porque Macau unido a Zuai e a Hong Kong, estes três grandes empórios aqui do sul, serão um modelo para toda a China e, como os comunistas não são tolos, hão-de querer emitar o capitalismo de Zuai, Macau e Hong Kong e orgulhar-se de ter grandes empórios no seu país. Isto há-de ter uma grande influência na China.

Entretanto, dizem-me que numa paragem de autocarro é vulgar formar-se uma fila de macaenses e chegar um chinês, passar à frente de toda a gente e ninguém refilar... O que é que se passa?...

Os portugueses são gente educada, claro. E os chineses não são. Os chineses, por exemplo, a mim, velho de barbas brancas..., de repente, um china corta-me a passagem... Então, eu, pumba!... Dou-lhe um... - só para o educar... "Salta daí..."

Os chineses nunca foram educados, sabe. Agora há razão para isto...Uma doutora que está em Macau e conhece bem os chineses, explica essas situações assim: eles são um bilião e trezentos milhões. Para sobreviverem têm que avançar à frente de todos... Seja lá como for, eles avançam.Nos autocarros, nas lanchas, nos "ferry-boats,", nos "jet-foils" nos "hidrofolis", avançam sempre...

É dos noticiários do mundo todo o fenómeno do crescimento chinês. Gostaria que monsenhor Manuel Teixeira comentasse esse facto. Alguma coisa está para ficar para trás para que seja assim, que valores, ou que métodos, suportam o estado de coisas actual?

Os chineses tiveram sempre o desejo de ter filhos... No meu tempo, em 1924, havia aí milionários chineses. Lu-Lim Yoc tinha, não sei se eram, 25 filhos... Os chineses tiveram sempre tantos filhos quantos podiam manter. Então, os milionários "alimentavam" concubinas por todo o lado. Os chineses precisam de ter um rapaz para conservar a memória do antepassado. Ainda hoje é assim. E se a mulher não lhe der um filho, arranjam uma concubina. E a mulher legítima aceita isso como bom. Desde Confúcio - de há 5000 anos até hoje -, é o espelho da família. O rei é o chefe de família, o Céu é que manda na Terra.


Portanto, temos uma família, o rei e o céu. Foi nesta base que se constituiu a China. Nenhum regime consegue destruir isto. A família há-de continuar na China.


Mas está a falar-me do segredo do crescimento demográfico. E o económico?

Como vê, na China já há um bilião e trezentos milhões de pessoas. Ainda que só tenha um cada um, num ano, veja... No aspecto cultural, todo o chinês lê. Não é como nós que, em Portugal, temos muitos analfabetos. Aqui não, aqui todos os chineses sabem ler. E é interessante notar que eu, por exemplo, digo a missa muito cedo, às seis da manhã, quando saio já estão na rua os chineses a ler o jornal. De facto, todos sabem ler. E, portanto, isto é superior à nossa maneira de ser.

Mas, padre, do ponto de vista económico, como é que explica a seguinte situação: estou a lembrar-me de, recentemente, em Lisboa, ter comprado um objecto cujo preço me deixou espantado... Custava cento e poucos escudos e era originário da China, o representante na Europa situava-se na Inglaterra e ele chegava a Portugal, portanto, em terceira mão... Pergunto: como é que chegava barato ao nosso país?...

Como sabe, aqui em Macau também a mão-de-obra chinesa é baratíssima e por isso é que há esta guerra. O nosso amigo Rocha Vieira quer impedir a importação de mão-de-obra da China e as empresas todas estão contra o Rocha Vieira. Porquê?... Porque na China a mão-de-obra é barata e eles é que ganham. A mão-de-obra foi sempre barata na China.

Há quem diga que a China, falando, por exemplo, na área do vestuário, que, se há um prazo para entrega de uma determinada encomenda, e a "coisa"está atrasada, como o horário de trabalho é pouco respeitado, ou não respeitado, entra-se pela noite dentro para resolver... É assim?

É! E eles trabalham dia e noite e não têm feriados. Não têm feriado nenhum!...

Então não têm qualquer dia mais solene?...

Têm o Ano Novo Chinês, que são 15 dias, durante os quais não trabalham.

Mas a economia nunca pára...

Nunca pára!... E é por isso que a coisa se agiganta...

Não há mais nada? Nem domingos, nem nada?...

O senhor vai aos sábados, aos domingos, ou a qualquer outro dia da semana e está tudo a funcionar.

E aqui no território está instituído o fim-de-semana?...

Os chineses não ligam importância nenhuma a isso.

.../...





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