ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (última parte)
Padre, só às senhoras é que não se pergunta a idade...
83 apenas!... Vim para Macau com 12 anos, em 1924, até agora. E aqui ficarei, não volto para Portugal. Não vou! Sou muito amigo do Mário Soares e de D. Maria Barroso... O Cavaco também é muito meu amigo...
Freixo de Espada à Cinta é uma saudade?...
É uma saudade... Tenho convites de várias academias portuguesas de que sou membro.
Mas o padre leva a vida a escrever...
Isto (mostra-me um maço de papéis manuscritos...) são artigos para os jornais...
Apareceu aqui no outro dia um padre australiano, esteve a falar comigo e eu disse-lhe: "olhe lá, a Austrália teve, até agora, algum santo?..." "Teve, teve...", respondeu-me. "Eu não conheço. Então, quando chegar à Austrália mande-me material..."
Já escrevi o artigo. Enviou-me o material pedido e então uma coisa simplesmente extraordinária, é uma senhora: Mary Folck. Diz ele que foi a primeira senhora australiana beatificada pelo Papa.
Essa senhora fundou em Adelaide a congregação de S. José para a educação da juventude. Um belo dia o bispo foi ao convento e disse "você está excomunhada, dispa o hábito e todas as religiosas fora do convento!..." Ela não se podia despir, pois ficava nua e então saíram todas do convento... E quem as recebeu (é uma coisa interessante...)? Um judeu, chamado Manuel Salomão, que lhes deu alojamento. E elas continuaram.
Essa senhora, excomungada por um bispo, foi agora beatificada pelo Papa. É a primeira beata australiana.
E, então, eu, no meu artigo, faço uma comparação: na Austrália acaba de acontecer isto e na Europa sucedeu coisa semelhante quando o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus. Então, os jesuítas foram recebidos na Rússia pela czarina Catarina, que disse: "aqui quem manda sou eu... Vocês continuam aqui!..."
Padre Teixeira, tem alguma referência da presença portuguesa na Austrália?
Sim. O primeiro descobridor da Austrália foi um português: Mendonça, em 1622. Mas, no mundo inteiro, ninguém o conhece e todos, na Austrália, citam o nome de Tomás Cook como o descobridor da Austrália.
Ora Tomás Cook foi lá um século depois de Mendonça. Mas Tomás Cook, quando foi para a Austrália, passou por Macau e o pintor da sua expedição pintou esta terra.
La Pérouse (Jean-François de La Pérouse) foi mandado pelo rei de França descobrir a acção magnética no Pacífico. E La Pérouse veio então da França com navios e atracou aqui em Macau (nos finais do século XVIII) e montou o observatório astronómico na parte de cima da Gruta de Camões.
Dos seus navios fugiram vários homens que a China e ele pediu aos macaenses que se oferecessem para ir para a Austrália e para completar a tripulação. E foram os primeiros macaenses que foram para aquele país. Estabeleceram-se em Botany Bay e ali morreram...
O La Pérouse acabou por morrer numa dessas ilhas do Pacífico, escrevendo diários interessantíssimos sobre a sua viagem. O subcomandante do navio de La Pérouse pegou nesses diários e levou tudo para Paris, onde foram recentemente publicados.
Eu estive na Austrália duas vezes, dois meses de cada vez, e gostei imenso do país.
E teve algum contacto com a comunidade portuguesa?
Infelizmente, tive. Os portugueses, actualmente, são dinheiro e mais nada... Temos muita gente lá. Fundaram-se dois jornais que ainda recebo. De Sidney. São órgãos da comunidade portuguesa na Austrália.
Fiquei em Melbourne, em Sidney, etc. É gente muito mesquinha. O capelão de Melbourne um dia confessou-me: "padre Teixeira, sabe uma coisa, estes portugueses são tão mesquinhos, tão mesquinhos que nem me pagaram sequer o avião de Sidney para aqui... Nem sequer um presente...Nada!...Se eu dependesse deles morria de fome..."
Anos antes deu-se um caso também triste. Como eu estive lá e o capelão vivia na casa do Convento das Franciscanas, fiquei no convento delas. Estava lá e, um dia, um compatriota nosso veio ter comigo: "ó senhor padre, um português, em Perth, foi condenado à morte. O senhor não podia ir lá confessá-lo?..."
Eu olhei para ele e não lhe disse nada... Mas achei imensa graça àqueles tipos... Eu em Sidney, o português em Perth (a cerca de 4000 km de Sidney) e não queriam pagar nada...Eu é que tinha que pagar o avião, a estada e tudo isso.. "Não!... Em Perth há padres." Eles podiam perfeitamente ter um padre para o confessar...Acontece que esse português era um bandido de marca maior, que foi para lá como emigrante. O patrão recebeu-o na sua propriedade, pagou-lhe o salário, etc, etc e ele assassinou-o. Mas acabou por ser condenado à morte.
Os portugueses têm uma língua tremenda, fizeram uma guerra tremenda contra o cônsul, porque queriam que ele salvasse esse sujeito da morte. O cônsul teve que fugir de casa, esconder-se... Não podia dormir. A mulher também teve que fugir...
Então os pândegos mandaram um telegrama ao Cardeal Patriarca de Lisboa (Cerejeira) e ao Carmona para que intercedessem por esse homem junto do governo australiano a fim de evitar a sua condenação à morte.
Eu disse: "esse homem merece a morte!..."
O padre falou com alguma veemência dessas suas presenças na Austrália. O que é que, finalmente, o sensibilizou mais?
Os australianos católicos, são católicos fervorosos. Deixam a perder de vista a nossa gente. E depois muito generosos. Mesmo a mim deram-me uma porção de dinheiro para os pobres. Depois recebem toda a gente. São hospitaleiros e acomodam as pessoas em casa sem pagar nada. Eu gostei imenso daquilo...
Mas os portugueses que assimilam, não assimilaram a situação que me relatou...
Os portugueses são mesquinhos. Desculpe que lhe diga, mas tanto ali como na Alemanha...
Compara a comunidade portuguesa na Austrália à comunidade portuguesa na Alemanha?...
Eu estive também na Alemanha quatro meses. Em Colónia. O pároco de lá, o Dr. Ochoa, disse-me: "padre Teixeira, se eu dependesse dos portugueses, morria à fome... Não me pagam nada. Não mandam dizer missa nenhuma."Ali, trabalhar para os portugueses, tem que ser de graça... Mas o governo alemão obriga todos os cidadãos a pagar 10% do seu salário para a igreja. Os protestantes recebem 10%, os católicos 10%, todos 10%. E sustenta-se assim o clero.
Isso na Alemanha. Na Austrália, não...
Não! Gostava, entretanto, de lhe referir uma faceta muito importante na minha vida...
Esteja à vontade, padre...
Muitos japoneses, actualmente, vêm casar a Macau. E pedem-me, a mim, para os casar. Tenho todos os meses alguns casamentos. Agora em Novembro, tenho três casamentos japoneses. E então eles vêm do Japão, ficam no hotel uma noite, na manhã seguinte eu caso-os e voltam outra vez para o Japão. Gastam muitíssimo dinheiro, mas também têm muitíssimo...
Os outros padres criticam-me: "como é que vai casar pessoas japonesas?..." Eu replico: "somos todos filhos de Deus e Deus Nosso Senhor abençoa todos, quer sejam japoneses, quer sejam chineses, quer sejam budistas, quer sejam de qualquer outra religião. São todos filhos de Deus."
Ora eu sou ministro de Deus e não devo repelir ninguém.
Eu pergunto aos japoneses: "como é que vocês sabem que eu vos caso?..." "Ah, é porque nas revistas japonesas aparece o seu retrato a casar japoneses..."
E, então, tenho constantemente pedidos de japoneses para casar aqui em Macau. E eu, com todo o prazer, caso-os.
Então o padre, mais do que missionário em Macau, é um missionário do Oriente...
Como sabem como são acolhidos, vêm, não só japoneses, como franceses, americanos, noruegueses, holandeses... Todos me pedem... Então eu pergunto: "como é que vocês sabem?" "Nós temos um amigo em Hong Kong que nos disse que você casa..."
Agora outra coisa interessante que em Portugal nem se concebe: vários deles já trazem o bebé com eles. O bebé já nasceu. E trazem-no sem vergonha nenhuma (risos).
Padre, consigo, termina um ciclo?...
Não sei... (ri-se).
(a falar com a História, perde-se a conta às horas...)
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