terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XV)


ENTREVISTA com o Dr. Senna Fernandes (última parte)


Vão destruir o jardim Luís de Camões?

Não!!! O jardim do Camões não vão destruir... Os chineses gostam muito dos jardins...

...continua a entrevista:


Mas daí até aceitarem a ideia de um Camões embaixador honorário...

Não sei... Tudo depende ... Não vejo que ... As escolas chinesas - é uma coisa tocante - prestam
sempre homenagem a Camões. Se essa tardição vai continuar depois de 1999, não sei... Talvez
a escola portuguesa vá pôr um ramo... Os chineses são muito xenófobos e...

Os chineses de Pequim ou do Sul?...


Os chineses daqui obedecem todos a Pequim. Mas há algum chinês, daqui de Macau, que se bata pela identidade dos chineses deste território?!... Não se bate... Aqui a população fala cantonense. Agora na universidade está tudo a falar mandarim... Os altos postos, pró-chineses, aqui em Macau, ao nível da governação, é tudo Pequim... Alguns falam muito bem português, mas... O chinês que é natural daqui, nunca se preocupou connosco. É outra colonização. Acusam-nos de colonialistas, mas vamos assistir a outra colonização, porque os chineses locais não têm espinha dorsal para se imporem. A palavra macaense só começa a ser empregue à sociedade porque nós reagimos de uma maneira que nem Portugal, nem a China avaliaram... Todas as conversações que se conhecem foram feitas à revelia dos interesses da população macaense, que nunca foi ouvida. E então começaram a falar dos macaenses, macaenses, macaenses... E então é que a China compreendeu que existia aqui um problema...


Já ouvi chamar a estes últimos dez anos a época do caldo verde - que enche a barriga, mas não alimenta ...


Alguma coisa fica. A presença portuguesa não desaparece assim... São mais de quatrocentos anos...


Estes monumentos, tudo isto que se está a fazer vai ficar?


Alguns serão destruídos... Há coisas bonitas!... As pontes ficam, o aeródromo fica, há muita coisa... São quatrocentos e cinquenta anos... Macau resistiu a muitas vicissitudes... Não acredito que isto desapareça. Nem é do interesse da China fazer desaparecer Macau, há-de haver uma diferença...


Quer falar-me de iniciativas locais com direito a compêndio de história?...


A guerra do Pacífico tranformou isto tudo, acabou com a vida patriarcal de Macau. E uma vez mais recuperámos desse traumatismo. Empobreceu muita gente, perdeu-se a fé em Macau, porque, antes, os filhos partiam, estudavam e voltavam. Como se sofreu muito na guerra, muitas pessoas não quiseram mais saber: mudaram para Portugal, para o Brasil, para outras terras. Para Angola e Moçambique, infelizmente pouco. Para a Austrália (começo da emigração).


Outro marco é a Revolução Cultural em Macau, conhecida pelos incidentes de 1, 2, 3. Um, dois três porque foi em 3 de Dezembro. Até aí, Macau podia dizer-se que estava guardada pelos portugueses, mas, infelizmente, quando a China ficou envolvida nessa coisa trágica que foi a Revolução Cultural, tivemos aqui governantes que não compreenderam isso e actuaram de maneira a criar um ambiente anti-português.


A adesão da população ao 1.2.3 - o incidente foi numa escola comunista - foi uma bomba no território: havia multas por tudo e por nada, a polícia multava de uma maneira descarada, os adeptos de Mao tratavam os seus compatriotas com arrogância... Tudo é que era chinês do interior era tudo honesto. O que passasse da Porta do Cerco para baixo era desonesto. Uma mentalidade incrível!... No fundo, meia dúzia de indivíduos que estavam nos postos cimeiros...


Infelizmente para nós, não houve alguém sensato nessa altura que dissesse: "eh, pá! pare lá com isso, isto está perigoso... Na China está um ambiente terrível!..."
Cometeram-se erros incríveis!...


Depois a assinatura da Declaração Conjunta, sem que fossemos ouvidos... A população local não foi ouvida. Tenho a impressão de que os chineses julgavam que o problema era exactamente como o de Hong-Kong. Eles desconheciam as especificidades de Macau, que Macau era uma terra diferente de Hong-Kong...


Na sua opinião, o que é que caracteriza essa diferença?


A maneira de ser dos portugueses, a coexistência que se verifica em Macau. Primeiro, Macau não tem a dimensão de Honk-Kong; segundo, a nossa maneira de ser... É tudo diferente: o tipo de casas, o tipo de comida...


A culinária. Permanecem aqui algumas tradições culinárias portuguesas?


A comida portuguesa é muito bem aceite pelos chineses. Deve ficar.


O bacalhau, por exemplo...


De bacalhau não gostam muito. Bacalhau é para eles um peixe salgado.


Quais as nossas tradições que "eles" vão adoptar?


Adoptar, não! Aceitar... A comida portuguesa... (há restaurantes de comida portuguesa que são prósperos...) Vá ao Lorcha, perto de Museu Marítimo, e veja... Há uns 20 restaurantes desses...


Prósperos?


Milionários!... Se tiverem juízo, ficam todos milionários.


Que pratos sobressaem?...


É o bife, o camarão panado, o bacalhau, o cabrito, o cozido à portuguesa. Todos os restaurantes portugueses têm o nosso cozido...


O que é que um chinês pensa de um macaense?


Grande parte dos macaenses está casado com chinesas... Mas há sempre diferenças. Caso por caso, são amigos, mas pondo em confronto uma população com outra... É verdade que há muita convivência, mas há atritos, diferenças... Se tem um amigo macaense e quer perder a amizade dele é chamá-lo chinês. Nunca mais lhe perdoa...


O português que chegou hoje, aqui, é o "brasileiro português de Braga"?


Era, aqui, para ganhar dinheiro. Os vencimentos são bons, os funcionários ganham bem e, comparados com Portugal, são uns previligiados. Aquele que vem para ganhar dinheiro, ganha mesmo... A base que o conduz a Macau é o dinheiro que se ganha, porque ninguém sai da sua terra, se está bem, para ir para outra terra.


Ele vem porque encontra melhores condições. É claro que põe exigências ... E depois leva uma vida de conforto que não levaria em Portugal. Não é desprezar, não é nada... Adquire-se, de facto, em pouco tempo, uma vida confortável, fácil... Não há também os atropelos nos transportes que nós vemos em Portugal.


Agora que há sempre quem chegue aqui - e o mal é esse... -, humilde, mas passados dias já tem pesporrência , julga-se alguém... São fraquezas humanas...


Qual é, estimada, a população de Macau?

Devem ser 500 000 pessoas.

O que é que é preciso fazer pela língua portuguesa?

Os chineses são muito práticos. O macaense também. O macaense pobre, por exemplo, diz "os meus filhos não vão para Portugal, Portugal é um país que não dá futuro..." E manda os filhos para as escolas inglesas para aprender a língua e emigrar. Os chineses fazem o mesmo, não aprendem português porque não há saídas...

Quais são os empregos que impõem a nossa língua?

O funcionalismo público. Essa é que é a realidade. Porque é que os chineses se interessaram pelo inglês?!... É evidente que é, sobretudo, a nova geração que interessa...

Fale-me um pouco da sua obra literária...

Sou um escritor macaense porque tenho que preservar, tenho que salvar, tenho que defender o que somos. Recordo o Macau português, tenho obrigação disso. As figuras são todas de Macau, são macaenses e chinesas à mistura, para mostrar como chineses e portugueses puderam viver aqui... Foram portugueses e chineses que criaram o macaense. Com envolvimento de goesas.

A mulher portuguesa casada aqui esteve sempre em minoria, mas maridos portugueses e mulheres portuguesas foram inúmeros. O que deu o macaense, com o seu mundo, com a sua mentalidade, porque tem a sua mentalidade própria, que não se confunde com a chinesa, nem com a metropolitana.

Em poucas palavras, qual é a matriz de um macaense?...

É muito difícil definir. Não me atrevo a isso, porque pode inclinar-se mais para a influência da mãe ou do pai, de maneira que há reacções que são...

Perde as características de latino?...

Não! Não há macaense que negue a sua origem ou a nossa língua - em qualquer parte do mundo. Tem muito da tradição portuguesa, sempre com forte inclinação para as coisas de Portugal.

Ouve música portuguesa?

Oiço fados... A música portuguesa aqui é praticamente a que trazem os portugueses que vêm de lá. Entre nós, são poucas as músicas portuguesas que ouvimos. Eu, pelo menos, quase não a oiço. E digo-lhe porquê. Agora há orquestras muito boas, cantores muito bons, mas nós fomos educados, por estarmos longe, sem sabermos nada de Portugal, tomávamos conhecimento de pouca coisa. Mesmo na minha infância, na minha mocidade, vinham pessoas de lá, mas não nos chegava nada... Habituei-me, desde pequeno, à música americana. A minha música favorita é a americana.

O seu, de sua autoria, livro preferido?

São todos. São diferentes. Não faço diferenças entre filhos...

Está agora a escrever algum?...

Estou a escrever um romance.

Já tem nome?

Não digo, não... Mas já tem. Já vai adiantado.

E vai ser filme?...

Deus queira.

Já são dois?

Exacto. O que eu admiro é o interesse dos chineses em fazerem um filme sobre uma obra de um português... Está agora a concretizar-se, a propósito de "A Trança Feiticeira". A tese é o amor de um ocidental por uma oriental. O Ocidente e Oriente juntos, apesar de todas as contradições e de todas as diferenças. Exactamente como o macaense.

Qual é o local da acção?

Macau. Um Macau que hoje dificilmente se reconhece. É minha obrigação fazer isso para as pessoas saberem o que foi Macau antigo. No caso, dos anos 30.




Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores