segunda-feira, 1 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXV)


ENTREVISTA com a Drª Margarida Rato (cont.)

Viver hoje em Macau: proveitos e despesas mensais médios de um português com hábitos europeus?...


É a pior porta... Há uma diferença fundamental entre Portugal - a nível do salário de técnicos superiores - é que o salário aqui é muito superior ao que lá auferimos. É muito maior , mas as despesas cá e as tentações são outras. Quando uma pessoa se desloca para Macau pode ter vários motivos: um pode ser o saber que aqui tem um salário maior e que pode levar uma vida muito regrada, em que assume que está cá com o objectivo de poupar e nessa altura a pessoa consegue voltar para Portugal com um série de condições diferentes.

Normalmente, a casa que a pessoa compra, o pé de meia que se consegue fazer para ter algum desafogo. Isto é uma forma de estar em Macau. Para mim, a pior.

A outra perspectiva, e aí eu vou dizer-lhe um pouco aquilo que nos trouxe cá.
Vim com o meu marido e meus filhos. Nós ou vínhamos todos ou não vinha ninguém. Temos dois filhos. Quando viemos para Macau, viemos os quatro.

Há muitos anos que meu marido falava na hipótese Macau, como hoje fala noutras hipóteses. Ele gostaria muito de ir viver para os Açores uns tempos, gostaria de viver em Angola ou em Moçambique, que é um sítio que ele conhece. Eu nem sequer conheço.

Mas por aqui já se vê um bocado a visão internacional que dá para viver. Isto abre horizontes, não só para nós, como para os filhos daqueles casais que aqui vêm e que aqui têm o privilégio de permanecer.

Voltando aos objectivos. Aquele objectivo primeiro de que lhe falei é o pior para estar aqui. O outro objectivo é conhecer o mundo à volta de Macau. E criar novos horizontes. Ora quem vem para conhecer o que aqui se passa à volta tem que viajar e isso é, de facto, um dos aliciantes...

Portanto, o principal objectivo, para além da experiência profissional que toda a gente dizia que poderia ser aliciante - e foi - seria a capacidade que Macau dá às pessoas para não ficarem muito agarradas a Portugal.

Hoje,no nosso país, felizmente, as pessoas começam a viajar. Mas isso tem dois/três anos. Já começa a haver o bichinho de viajar. Aqui viaja-se muito. Não há férias nenhumas que as pessoas não destinem para uma viagem. Com uma facilidade: não se viaja com umas férias de um mês por ano. As pessoas tiram partes de tempo. Juntam dois feriados com um fim-de-semana, mais dois dias e têm uma semana. E aí vão as pessoas às Filipinas ou à Malásia. Mais uns dias e estão na Austrália, na Nova Zelândia, entram nas Birmânias... Não é só Tailândia, Tailândia é muita praia, mas entram no Nepal, no Vietname, no Cambodja, por aí fora e o conhecimento doutras pessoas, o conhecimento doutra culturas.

Por muito pouco que a pessoa penetre naquelas viagens, são enriquecedoras e dão uma visão completamente diferente do mundo...

E essa é a perspectiva média dos que aqui vivem deslocados?

Penso que muitas das pessoas que estão aqui têm essa perspectiva, porque, se reparar, ou se perguntar, vai ver que, em termos de agências de viagens, está sempre tudo esgotado...
Então, nessa perspectiva, quando se regressa a Portugal, se se regressa, há maior riqueza cultural, mas não na conta bancária...

Na conta bancária também. É possível, entretanto,viajar...

Portanto, o bolo cresce, de uma forma percentual, quanto?...

Eu julgo que, em relação a Portugal, os ordenados aqui triplicam.

E as despesas em relação a Portugal?

Duplicam. Em termos médios. Mas muito francamente, não tenho feito contas... Isso é outra vantagem... De qualquer modo, as solicitações são muito maiores...

O que é que uma pessoa faz?! Tem uma capacidade de poupança que faz de propósito para a ter... Retira isto, sabe que tem aquilo... Consegue gerir perfeitamente, sem dificuldades nenhumas, o orçamento que destina e fica com disponibilidades para viajar e para poupança.

Além do "Bolo de Arroz", há espaços de confraternização entre os macaenses e os portugueses europeus?

Estão a tentar activar o Clube Macau. É uma das possibilidades. Há também o Clube Militar, que penso que vai ter um papel igualmente determinante na tal presença portuguesa no território. É capaz de ser ele, nitidamente, o destinado a fazer a congregação.

Evidentemente que, hoje, as comunidades portuguesa e macaense, ou melhor, entre os nascidos lá e os nascidos cá, há um entrosamento que não é o desejável, mas, se calhar, no futuro, esses segmentos que aqui ficarem vão ter uma aproximação maior, nem que seja pela língua, pela pequenez da representatividade, pela necessidade...

Depois de 1999 vai-se continuar a jogar?...

Penso que sim...

E as casas de penhores vão continuar?...

Julgo que sim...

Qual é a razão de ser do crescimento chinês?

Penso que a China é uma grande potencia do futuro. E isto prende-se com a abertura que foi feita. E aí o Deng Xian Ping teve a visão de perceber que não podia fechar o seu país numa redoma.
A China é um espaço em evolução, em explosão, e não pode deixar de ver o que se passa à volta. É impossível fechá-la. Portanto, todo o desenvolvimento que há - e estamos a falar no seu crescimento económico - tem a ver com visão que ele teve do futuro...

Há algum sacrifício social no meio disso?...

Eles são muito pragmáticos e o que tentaram resolver, de princípio, foi que todos tivessem uma tijela de arroz. Deixou de haver fome. Então, não havendo fome, pensaram noutra condições e agora estão já a falar no bem-estar...É natural que hoje os meios de comunicação (e não se podem fechar televisões...) sejam um grande transmissor do que é o "standard" de vida, melhor ou pior. Eles tiveram acesso a isso. Por mais que vivam numa aldeia, há sempre um... Não chega lá a televisão, mas ele consegue deslocar-se, ainda que esteja limitado no perímetro onde se movimenta. Mas há sempre um que chega e lhe transmite. É impossível deixar as pessoas na ignorância relativamente ao que se passa no mundo. E a única viabilidade é o desenvolvimento.

É claro que estou a dar uma visão muito simplista, porque, evidentemente, quando entramos no campo político, nas relações económicas, nas relações internacionais, no desenvolvimento industrial, que eles têm, e que está em "boom", tudo isto surge interligado...

Seria aqui uma história de desenvolvimento histórico, social, económico, que está em nítido crescimento.
Eles têm o cuidado, eles não querem, de repente, dar a possibilidade às pessoas de terem tudo... Por isso... Eles são milhões, não são centenas... E no momento em que derem esta abertura o que pode acontecer é não controlarem o resto...E eles, neste momento, precisam de controlar todo esse crescimento. Se lhe perdem o controlo...

Aqui uma tentativa de equilíbrio.


Estas zonas especiais são "écrans" de televisão?...

Considero que sim. É o poder fechar mais ao desenvolvimento. E isto, se vir bem, a imagem que um dia me deram disto, é verdadeira: nós temos a China, temos Hong-Kong, temos Macau. Qual é o raio de acção de Hong-Kong e de Macau na China?

Se pegar num compasso e verificar até onde abrange: zonas económicas especiais. Foi aqui que se deu a abertura, porque era aqui que as pessoas tinham acesso a tudo o resto e que sabiam...

E eles foram espertos e preceberam: não podemos mais travar o desenvolvimento, não pode ser mais degrau a degrau com um palmo de altura. Se calhar tem que ser degrau a degrau com dois palmos de altura. Isto comparando. E foi assim que estas zonas económicas especiais surgiram como uma experiência de abertura. Que foi sucesso. A prova é que hoje as zonas económicas existem. Depois a própria China interior tem conhecimento disto...

O Congresso Mundial das Mulheres teve algum significado, já nessa perspectiva?

Julgo que sim.

Vão conseguir ir aos Jogos Olímpicos...

Mas ao conseguirem isto demonstram abertura a todo o mundo. Tem, sem dúvida, significado.

(cont.)

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