quinta-feira, 25 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXXVII)

ENTREVISTA com o Dr. Rogério Fidalgo (cont.)

Como é que vê o crescimento chinês?... À luz dos conceitos que nós temos em Portugal, de vez em quando, acode-nos, chama-nos a atenção, um crescimento, eventualmente suportado pelos sacrifício social de multidões... O que é que se passa, na sua perspectiva, com o crescimento chinês?

Faço uma diferença entre duas coisas: uma coisa é crescimento, outra coisa é desenvolvimento. Penso que na China, neste momento, estamos a assistir ao primeiro passo, ou seja, estamos a assistir a um grande crescimento com algum desenvolvimento, mas o desenvolvimento implica harmonização de vários aspectos, designadamente, o desenvolvimento económico, com o desenvolvimento e as preocupações sociais, individuais e humanas que são legítimas e que nós vimos mais patentes naquilo que designamos por civilização ocidental, com mais incidência  nas democracias ocidentais.


Portanto, aqui assistimos a um grande crescimento, com valores que são impensáveis neste momento no Ocidente. É claro que isso deve-se ao espírito e ao sacrifício dos trabalhadores chineses, da sua vontade e da sua capacidade de trabalhar.


É o que se verifica nas duas zonas económicas exclusivas chinesas mais desenvolvidas: zona económica exclusiva de Zuhai e zona económica exclusiva de Zuzengue (?) em que é patente, que está a nascer uma economia aberta, com as regras de mercado a funcionar. Portanto, a procura e a oferta. Penso que, a médio prazo, ver-se-á a tal compatibilização entre crescimento e desenvolvimento.

Acabei de ler, num jornal local, que Cantão está com dificuldades financeiras e admite a possibilidade de exploração do seu metropolitano por entidades privadas. Este é um conceito hoje em voga, isto é, quem constrói explora até resolver o seu problema? Acha que vamos por aí?...

No presente, tendo em conta o tipo de desenvolvimento económico que "atinge" a nossa aldeia global, cada vez mais pequena devido à evolução permanente das tecnologias,  isso não espanta, não surpreende e, portanto, é natural a formação de "joint ventures", ou seja, a cooperação entre as empresas locais e as companhias do exterior.

Portanto, esse tipo de posições não espanta, não surpreende...

Mesmo que a ideologia seja outra?...

Mesmo que a ideologia seja diferente. Há, no presente, a grande vantagem do económico ultrapassar algumas "dificuldades" de natureza política.

Embora seja um recém-chegado a este território, quais são, a seu ver, as expectativas dos macaenses pós-1999?

Os macaenses, no presente, não revelam grande ansiedade, nem grande expectativa em relação a 1999. Confiam que Macau, depois de 99, terá o seu estatuto, devidamente definido ao longo do processo negocial com a China, nesta fase de transição. Portanto, a maioria deles optará pela continuidade da sua permanência em Macau. Entendo que não devem ter receios em relação ao futuro porque a sua identidade e o seu passado estão devidamente acautelados.

Com os católicos a conviveram com os budistas e estes com os outros...

O exemplo disso é que, actualmente, em Macau, há várias religiões, há pessoas que seguem, por opção, essas religiões e há uma sã convivência, não há nenhuma agressão, nem há nenhum contencioso. Aliás, é visível, neste pequeno território, a existência de várias igrejas, igrejas que têm a presença de católicos que defendem a sua prática e praticam de acordo com a sua fé. Não há qualquer contencioso.

Aeroporto de Macau: num contexto em que num raio relativamente pequeno existem outros aeroportos, que perspectivas? Concorrência, complementaridade, expectativas fundadas em estudos populacionais efectuados...

Nesta área, no futuro, existirão seis aeroportos.

Numa área com...

Com cerca de 170 quilómetros. Mas temos que ter em conta que o desenvolvimento e o crescimento nesta área são enormes. Obviamente que o aeroporto de Macau existe para concorrer e é para ganhar... Todos os estudos que foram realizados, tendo em conta aquilo que temos feito até ao presente, indicam que o aeroporto de Macau vai ter a sua ocupação.

É um aeroporto que vai ser rentável, é um aeroporto que pratica preços altamente concorrenciais e, portanto, o facto de existirem aqui à volta vários aeroportos, designadamente, o aeroporto de Zuhai, o actual aeroporto de Hong-Kong, o futuro aeroporto de Hong-Kong, isso não assusta o território, nem assusta a Companhia do Aeroporto de Macau. Isto porque nós vamos ter, seguramente, o nosso mercado, vamos ter, seguramente, muitas companhias a voar para aqui e, portanto, a rentabilização do nosso aeroporto, em relação ao futuro, está, na nossa perspectiva, perfeitamente assegurada e garantida.

Vamos continuar a ter jogo em Macau?...

Penso que o jogo vai continuar em Macau.

E as casas de penhores também?

E as casas de penhores também, porque jogo e casas de penhores coabitam.

Imagine agora um auditório. Acabou de chegar ao território, tem a frescura de quem está nessas circunstâncias, mas, apesar de tudo, porque é licenciado em História, tem das coisas uma visão certamente importante para os jovens...

Fale aos jovens portugueses que tem na sua frente... Estamos no "dia anterior" à passagem de Macau para a administração chinesa...

Começaria por dizer que Macau é um caso único no mundo e um exemplo no contexto asiático. Porque Macau é um território chinês sob administração portuguesa.

Nós, portugueses, país ocidental, potência que, à partida, poderia ser estranha,  não é, devido à sua presença secular aqui, é um caso único na Ásia. Não há mais nenhum país no mundo que tenha mantido durante tantos séculos a sua presença nesta zona do globo, como nós.

Criámos aqui, de facto, uma relação cultural muito estreita.

Sendo um caso específico, acho que Portugal deve continuar a aproveitar essa particularidade para dizer ao mundo que Macau é um sítio diferente e que merece ser visitado, porque a convivência, o relacionamento entre duas culturas vai continuar. Entendo que não serão os anos que facilmente apagarão isso.

Não ficaremos uma Malaca, após os 50 anos da transição?...

Penso que não, até porque os macaenses saberão evitar isso. Portugal terá todo o interesse em continuar a manter relações muito estreitas com esta zona do mundo e precisamente o aeroporto será a via mais directa para que isso continue, designadamente, através dos voos que a TAP irá iniciar, como está previsto, a partir de Janeiro de 1996.

Agora no auditório em que acabou de falar entrou um grupo de jovens chineses. Muda o discurso?...

Não mudaria o discurso. O futuro é para os jovens e o único apelo que faria é que os jovens chineses e os jovens portugueses continuassem o excelente relacionamento que os seus antepassados souberam manter até aqui.

Uma das características da cultura portuguesa é o espírito universalista. Nós sempre tivemos facillidade no relacionamento com os outros povos e seria excelente que esse relacionamento se mantivesse como exemplo em Macau, daqui por muitas décadas, daqui por muitos séculos.

O que é que acha que o chinês médio pensa do português médio? Hoje.

Não é fácil responder, porque o pensamento, se não é expresso, se não há nenhuma corrente de pensamento divulgada, é uma coisa íntima e, se assim é, é difícil de penetrar... Mas entendo que os portugueses sempre tiveram uma excelente aceitação em Macau. A prova disso é que temos por cá ficado ao longo de séculos. Se o nosso relacionamento não fosse bom, não fosse um relacionamento franco e aberto, nunca conseguiriamos continuar aqui até 1999.

Próximo entrevistado: José Moreno.

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