terça-feira, 23 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXXVI)

ENTREVISTA com o Dr. Rogério Fidalgo

Agradeço que tenha a amabilidade de se apresentar...


O meu nome é Rogério Fidalgo, trabalho na CAM - Companhia do Aeroporto de Macau, na área comercial. A minha função fundamental é o contacto com as companhias aéreas na perspectiva de as atrair para o aeroporto de Macau, na medida em que são aquelas que, obviamente, trazem os passageiros, a carga e o correio e, portanto, movimentarão os fundamentos do negócio do aeroporto.


Em termos de formação académica, é licenciado em...

Sou licenciado em História e tenho o curso de Gestão de Recursos Humanos, do Instituto Superior de Gestão, de Lisboa.

Ao licenciado em História, a viver agora em Macau, a pergunta: o que é que, em seu entender, singulariza este território das regiões vizinhas?

Macau, na minha perspectiva, é um sítio único no mundo. E, na Ásia é, de facto um local perfeitamente diferente. Isto por que, em Macau sente-se, vive-se, respira-se uma mistura de culturas. No fundamental, uma mistura de duas culturas, a cultura ocidental, protagonizada pelos portugueses, e a cultura oriental que tem como protagonistas os chineses.

Decorridos estes séculos de convivência racial, a seu ver, o que é vai permanecer?

Penso que o que vai permanecer, no fundamental, são questões de ordem cultural, designadamente, hábitos, costumes, tradições, marcas que nós vamos deixar aqui.

Com alguma pena, lamento que a propagação da língua não seja aquela que, no meu entender, seria a desejável, mas também se compreende que neste sítio do mundo, perante a língua chinesa, o mandarim, o cantonense e face a uma população que representa, em termos mundiais, um quarto da população do globo, tenha sido difícil implementar, de forma categórica, a língua portuguesa.

De qualquer maneira, penso que, nos séculos futuros, a nossa presença continuará aqui. Até porque não de podem eliminar facilmente quatro séculos de história, quatro séculos de convivência, em que nós tivemos um papel, pelo menos, de relacionamento, que é visível e que é marcante para quem vive e quem visita Macau.

Portugal tem sido aqui missão, pimenta, aventura, o quê? Ou, pura e simplesmente, Fernão Mendes Pinto?

A gesta da expansão, obviamente, que teve algum espírito de aventura. Claro que, no meu entender, por trás, havia uma visão económica. Os homens que partiram para as descobertas, designadamente, esse rei memorável que foi D. João II, teve a visão de que Portugal tinha que se expandir para se cimentar, consolidar como potência europeia e mundial.

Portanto, admito que, no início, tenha havido aventura e também interesse económico.

Agora, não obstante a distância, apesar da distância, nós marcámos uma presença neste ponto do mundo, tão distante de Portugal. Não só aqui, como nesta área da Ásia. Basta, por exemplo, sabermos que há cerca de quatrocentas palavras portuguesas na língua que os japoneses falam...

Isto é enorme, é tremendo e é grandioso para um país tão pequeno, em termos de área geográfica, mas tão grande em termos de riqueza e dimensão histórica.

Acha que, a título póstumo, Camões virá a ser nomeado embaixador honorário de Portugal nesta área?...

Era uma homenagem que todos devíamos prestar a Camões.

Camões é, indiscutivelmente, um baluarte da nossa história, da nossa cultura, da nossa influência e presença no mundo. É uma referência curiosa, aliás. A pergunta é bem feita, bem elaborada, e com grande sentido. Espero que alguém tenha a capacidade de conseguir "impô-la".

Uma coisa que me preocupa é este gigantismo urbano. O património da Praia Ocidental, é um património de "rés-do-chão", ou quase...Alimento algum receio, mas gostava de conhecer a sua perspectiva acerca desta ânsia de construir prédios gigantes, à maneira de Hong-Kong, no que isso possa vir a querer dizer destruição do património, digamos, colonial... Será que a Declaração Conjunta vai tão longe?...

Penso que nos acordos que foram rubricados e em relação a muitas discussões que ainda continuam, e continuarão, em relação ao futuro de Macau, isso está devidamente acautelado. O que posso dizer, e digo-o com propriedade, porque vejo, é que tem havido da parte do governo de Macau uma preocupação de preservar, de conservar todo o património histórico-cultural.

Aliás, isso é bem visível nas obras de recuperação que há, um pouco por todo o lado, em Macau, precisamente com esse objectivo. Penso que, qualquer país, designadamente, Macau, este pequeno território, também deve fazer preservar toda a sua história, porque isso  é que é a verdadeira riqueza que atrai as pessoas.

Hoje em dia, se nós vamos para uma cidade e essa cidade não tem mais do que cimento armado, é uma cidade igual a muitas outras, direi mesmo que é uma cidade que não tem identidade, que não tem característica, não tem a diferença... E a diferença, no meu entender, faz-se tendo como base a história e depois a conservação ao longo de décadas.

Vê-se, contudo, com mágoa que, junto às ruínas de S. Paulo, está a nascer um centro comercial... Isto numa zona que é densamente histórica...

Admito que, em relação a algumas situações, que quero classificar de pontuais, não terá havido o devido cuidado. Mas uma andorinha não faz a Primavera e parece que essa situação está perfeitamente localizada e não a tenho visto repetir-se noutros pontos de Macau.

Bom seria, talvez, que se criasse um movimento de opinião pública que, sem agressividade em relação à China, defendesse o que há para defender num território com tradições históricas, evitando a especulação imobiliária... No fundo, um movimento de opinião pública conjunto, tal como a Declaração...

Penso que sim, mas talvez o ponto de partida seja o mais difícil, que é criar esse movimento de opinião pública conjunto... Tem havido, ao longo destes séculos, um excelemte relacionamento com a comunidade chinesa residente em Macau, que, penso, contunará e deverá existir. Agora, entendo que, talvez, a iniciativa desse movimento deva partir de qualquer secretário-adjunto, que tenha o pelouro da questão cultural, da questão ligada ao património.

Isto porque a opinião pública, não obstante poder estar sensibilizada para essa questão, se não tiver uma ajuda e se não for despertada, só por si, não tem capacidade, nem tem força, nem galvanização para iniciar esse processo. Mas alguém ligado a uma Secretaria do governo, tomando essa iniciativa, poderia ser um ponto de partida...
Já tinha estado em Macau anteriormente?...

No ano de 94... Pela primeira vez, em Outubro de 94.

E de 94 para 95, já notou mexida?...

Mais construções, designadamente. O exemplo mais importante, na ilha da Taipa. Há um conjunto de construções de grande volume, de grande dimensão que pode ser preocupante, porque a Taipa é uma ilha com verde, é uma ilha que, nalguns aspectos, devia ser conservada. Mas também tenho notado a preocupação de manter o tal património histórico-cultural que será um dos símbolos marcantes que vamos deixar...

O facto de se verem prédios de 20/30 andares desocupados parece uma explosão fora de controlo...

Neste momento, nesse campo, há, de facto, um excesso de oferta em relação à procura, mas também entendo que essas construções, amanhã, vão estar realmente ocupadas por pessoas. Não faria sentido construir-se da maneira como está a construir-se em Macau, com a dimensão que está a construir-se em Macau, se amanhã não houvesse ocupação...

(cont.)

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