quinta-feira, 11 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXX)

ENTREVISTA com Carlos Morais José (cont.)

Concluida esta, para completar o prometido, faltarão cinco entrevistas - que um dia alguém irá ler - e estudar, se for o caso. Quanto mais não seja, por talvez vir a ser este o último conjunto de DEPOIMENTOS VIVOS e INÉDITOS acerca da que foi, e se esperava que viesse a ser, "a última parcela do chamado Ultramar Português".

Sem influenciar rumos, revelando sentimentos... Com a amostragem possível. Sem comentários. Base de novas reflexões? Sim? Valeu a pena! Não valeu? Paciência. Missão cumprida. Cumprida - depois de completar a entrevista com Carlos Morais José e os demais, claro.

Com Carlos Morais José:

O que é uma comunidade católica no meio de budas?

É uma minoria. Eles acham "divertido" ter umas igrejas e mais não sei o quê...

Para eles é folclore?

É...

Numa paragem de autocarro forma-se uma fila de macaenses, chega um chinês e passa à frente de toda a gente e ninguém refila... O que é isto?

Nunca vi, não sei... Admito que não refilem porque, se calhar, fazem a mesma coisa...


Não vê nessa atitude qualquer agressividade?


Não! De todo. Provavelmente, o homem que fez isso não sabe o que é uma bicha porque chegou há 10 dias da China. Na China não há bichas, vai tudo a correr para os autocarros...


É a pressão de uma população enorme?...

É. E não educada nas regras ocidentais.


Imagine-se agora num auditório, onde vai falar. E os ouvintes que vai ter são jovens macaenses. O que é que vai dizer-lhes?


Vou chamar-lhes a atenção para a sua missão histórica, para a sua obrigação histórica de terem um papel activo e político em Macau...


O que é ter um papel activo?

É participar na vida da cidade, é fazer coisas, é fazer política. Penso que é muito importante fazer política em Macau. Nós também, em relação à nossa Administração. Cada português tem aqui obrigação de ser um cidadão, no sentido que a Revolução Francesa emprestou à palavra. Ter um empenhamento político, interessar-se pelas questões, fazer política.


Macau é muito importante na história de Portugal - hoje. Penso que os portugueses que vêm para cá não deviam vir com o espírito de mandar dinheiro para Portugal para fazer uma casa. O dinheiro gasta-se onde se ganha. Porque se ganhamos o dinheiro deste povo, então também o devemos devolver no consumo.

O português ganha aqui o dobro ou mais do que ganha lá?... E o que é que, percentualmente, gasta?


A impressão que tenho é que gasta mais um pouco do que gasta em Portugal, mas ganha, no mínimo, o dobro.


No tal auditório em que a assistência era só de macaenses, agora entraram jovens chineses. Mudou o discurso?


Mudei. Chamava-lhes a atenção para a importância que para eles, chineses de Macau, tem o reconhecimento da história e não para pararem a história. É isso que eu gostava de lhes chamar a atenção e para os perigos que isso já teve no seu percurso. As tentativas que houve de apagamento do passado, que nunca resultaram, só resultaram em perda, nunca em proveito.


Fale-me, para concluir, enquanto homem de Cultura, da sua obra...


Tenho dois livros publicados. O primeiro foi uma recolha de textos que escrevi nos jornais de Macau, de opinião política e social, que pensei ser importante reunir e publicar. Fiz uma edição de autor, que intitulei "Porto Interior" e que está esgotado, mas que talvez vá reeditar com outros textos.

Depois fiz outro pequeno livro, também edição de autor, chamado "A Coluna da Saudade", que não é um livro sobre Macau. São fragmentos de uma certa sensibilidade portuguesa. Tanto podia ser escrito aqui, como na Venezuela ou em Portugal.


Em Portugal seria difícil porque talvez não se sinta a portugalidade como quando se está fora...  São pequenos textos sobre ser português, vários aspectos do ser-se português.


Tenho ainda vários artigos espalhados por uma série de revistas. Entretanto, comecei há três anos a trabalhar também noutra área, que é, mais ou menos, na área de um certo tipo de concepção artística, a fazer "instalações".

O que estou a fazer, de facto, há uns dois anos, é preparar um livro de contos.


Pacientemente...


Impacientemente, com muito sacrifício, com muitas dúvidas, com muito voltar atrás e rasgar e voltar a escrever... Este vai ser um trabalho de ficção.


Que idade tem?

Trinta e um anos.


Veio para ficar?


Eu vim para viver, não sei se é para ficar.


É um homem assustado?


Não. O que me assusta é ter que voltar para Portugal, porque considero, neste momento, um país pequeno, um país de gente muito interessante, mas que me parece atada...


Apesar da dimensão física de Macau?...


Macau não é nada disto...


Macau é o centro de um mundo?...

Macau é a margem de um mundo que é a China. Até há quem diga, do ponto de vista chinês, que Macau é o cú da China, no sentido em que vem para aqui a merda toda: o jogo, a prostituição, etc. E depois, com o sorriso nos lábios, compreender e estar cá por isso também...


Apesar de tudo, a criminalidade não é grande, pois não?...


Não. Isto é controlado. Não pela polícia, mas pelos seus "devidos interesses"...


Fica?...

Ficar?... Não sei... Não faço planos, assim, a longo prazo. Penso que não vou ficar. Enquanto puder sobreviver dignamente do meu trabalho e puder estar aqui a escrever e for útil, fico. Porque eu nisso sou como o Che Guevara, quer dizer, nós devemos ser dignos e devemos trabalhar. E também tenho a máxima que é "a terra a quem a trabalha", e se eu trabalho então a terra também é minha...


Aprendi na Geografia que "isto" tinha 16 km2 e agora tem 22, não é?...


Sim, também tem aumentado por causa dos aterros. Macau vai ter um milhão de habitantes no ano 2000. Neste momento, tem quatrocentos e tal mil, portanto, está a ver...

A próxima vez que eu cá vier não há água?...


Haverá à volta...


A próxima entrevista é com o Comandante Sá Vaz, que, nomeadamente, presidia à Comissão Territorial das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

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