quarta-feira, 17 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXXIII)


ENTREVISTA com o Comandante Sá Vaz (cont.)

Mas, nesta Região, passam a existir uns quatro aeroportos... Concorrência? Complementaridade?

É um problema, no fundo, político, e que é um pouco agudo, porque, se nós olharmos para Hong-Kong, independentemente da política, e a cerca de 60 km virmos um aeroporto internacional dos melhores do mundo, agora outro em Macau, outro em Zuhai, muito perto, em termos mediáticos, diriamos que há aqui aeroportos  a mais...

Mas não podemos deixar de pensar que estes aeroportos são portas de entrada para todo um continente onde há biliões de pessoas. Portanto, admitimos que todos eles devem ter a sua área de influência.

A própria zona sul da China, onde Cantão assume especial predominância, toda ela está num ritmo de expansão como não há no mundo. Verifica-se uma autêntica explosão, que vai obrigar a que haja cada vez mais tráfego, cada vez mais interpenetração de pessoas.

Macau é o único que tem jogo, portanto...

Vai manter-se?...

Penso que sim! Nada leva a pensar que não se mantenha. Acho que é do interesse das partes envolvidas que Macau mantenha o jogo. É evidente que o jogo tem atrás de si problemas... Tudo tem altos e baixos...

 Tem agora que ser bem gerido, porque não é por ele deixar de existir que vai desaparecer o vício... Aqui, para qualquer sítio onde se vá, vêem-se as pessoas a jogar majongue. O chinês gosta de aventurar-se no comércio, no jogo... Toda a sua vida é encarada como um jogo em que é necessário participar.

Tudo isto permite-me pensar que deverão ser encontradas soluções de consenso que permitam uma gestão racionalizada destes meios - que são dispendiosos, mas que, no futuro, vão ter que ser geridos pelo mesmo povo, pela mesma população, que, necessariamente, encontrará os indispensáveis factores de equilíbrio.

Como é que, neste contexto, o chinês vê o português-macaense? Se calhar, Pequim tem uma visão diferente da das gentes do Sul?

Dos contactos que tenho tido aqui com homens de Macau, de etnia chinesa, devo dizer-lhe que lhes sinto grande respeito e habilidade na convivência com os portugueses.

Posso dizer que, ainda muito recentemente, um homem de etnia chinesa, me manifestou interesse em construir aqui uma nau para marcar a nossa presença. Dizendo-me que faria lá um restaurante para servir comida genuinamente portuguesa.

Isto resulta dessa mesma convivência, são marcas que estão inerentes...

O que é que "eles", finalmente, pensam de nós?...

Eles pensam que a nossa passagem por aqui, de alguma maneira, os marcou, e  permitiu melhorias na sua vida.

Como se sabe, a nossa maneira de ser é de fácil convivência, de aculturação rápida. E, nesta convivência ,não fomos exigentes demais. Criou-se aqui um intercâmbio entre os portugueses, os macaenses e os chineses que foi favorável a todos.

A Administração foi uma administração que zelou pelos interesses da globalidade, não zelou apenas pelos interesses portugueses, mas também pelos chineses e isto marca as próprias pessoas que a vivem. O próprio caso de, na China, haver um regime comunista, e aqui não, permitiu às pessoas que vivem neste território uma maior facilidade de vida, que, necessariamente, as tem marcado...

 Acha que a comunidade católica sobreviverá, no meio de budistas e de tantas outras religiões?

Como se sabe, na China houve várias tentativas de cristianização, com os jesuítas muito influentes...

Depois vieram outra Ordens, houve um mau entendimento a propósito do comportamento dos chineses em relação aos deuses que tinham, e à adoração que faziam, e os jesuítas tiveram a infelicidade de perder esta leitura...

De qualquer maneira, aquilo que se verifica é que estes fenómenos religiosos em Macau convivem perfeitamente à vontade. Assistimos a cerimónias onde está o monge budista, onde está o padre cristão, e isto é aceite por toda a comunidade. Tudo isto é feito no total respeito pela liberdade religiosa de cada um. Nada me leva a admitir que possa haver, na envolvente, restrições de qualquer ordem à liberdade religiosa. E, portanto, agora, numa religião ou noutra, os fenómenos culturais serão marcantes sob as opções A ou B.

Face às mudanças previstas para 99, quais são, em seu entender, as expectativas dos macaenses?

Para lhe dizer com toda a franqueza, verifico que alguns macaenses estão receosos do que se irá passar... Receio porque admitem que possam não ser cumpridas as regras definidas, mas nada nos pode levar a dizer, em termos de lógica e de raciocínio, que há razões para esses receios. Até aqui a China tem cumprido textualmente os acordos celebrados e diz que continuará a cumpri-los. Portanto, não temos elementos que nos permitam admitir que isso não vai ser cumprido, tanto mais que o domínio da democracia, o domínio da liberdade no mundo está a aumentar cada vez mais...

Quando existem textos, depositados da ONU, de compromissos, tudo nos leva a crer que a tendência é que cada vez seja mais difícil, pelo tribunal de opinião que se forma, desrespeitar acordos. Estamos a ver o que se passa agora com Timor, onde a opinião mundial está, de facto, a começar a aperceber-se da situação das coisas. Portanto, é agora mais difícil rasgar acordos.

Nada nos leva a admitir um futuro complicado. A própria China não lhe interessa que haja problemas em Macau, penso. Pelo contrário, interessa-lhe que haja, de facto, um envolvimento harmónico, que não haja aqui uma transferência abrupta. E isso tem-se verificado no relacionamento havido com as várias delegações, nas muitas conversações havidas.

Donde, na minha opinião pessoal, estou crente que não vão ter lugar problemas e que as pessoas que ficarem poderão ter apenas dificuldades de comunicação linguística - que será mais difícil. Necessariamente, a língua chinesa dominará...

Macau, a prazo, vai ser uma Malaca, isto é, uma saudade de Portugal?

Estamos a fazer futurologia... É um bocado difícil se vai ou não ser... Penso, contudo, que, nos últimos anos em que estamos a intervir, se continuarmos a fazê-lo com a intensidade com que está a ser feita, e de uma forma inteligente,  vamos deixar neste espaço raízes bastante profundas e poderemos até vir a ultrapassar as raízes que Malaca tem neste momento. Tudo depende da maior ou menor inteligência com que forem conduzidas as coisas...

Apenas mais uma pergunta - e meia...A pergunta é esta: o homem de cultura que o senhor Comandante é encontra-se agora num auditório repleto de jovens portugueses. O que é que lhes vai dizer?

Dir-lhes-ia, muito simplesmente, que a história que os portugueses têm atrás de si lhes impõe um comportamento no mundo, no qual os fenómenos humanos têm, necessariamente, maior primazia. Que devem ser divulgadores da nossa língua, e procurarem sempre que o seu país de origem seja cada vez mais respeitado. Tendo em conta que "demos mundos ao Mundo..."

Entra-lhe agora na sala um grupo de jovens chineses. Que discurso lhes vai fazer?

Referia-lhes-ia que eram bem-vindos.Que eles, no fundo, vinham representar o que quatro séculos de sã convivência, entre portugueses e chineses, nos tem dado. E convidá-los-ia, necessariamente, para vermos todos as origens do país que por aqui andou, por aqui militou e por aqui conviveu com toda a gente.

Venham conhecer-nos tal qual somos, tal qual nascemos, para que possam ajuizar melhor e compreender como é que construímos comunidades no mundo inteiro."- concluiria."

 Próximo entrevistado: Dr.Leonel Miranda.

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