Escrito e publicado em 1985, lamento a actualidade do que a seguir se transcreve - com ligeiríssimas adaptações:
"Um velho amigo, leitor benévolo das minhas crónicas de entardecer, disse-me há dias que, se fosse ele a subscrever estas reflexões, não pouparia o nome dos eventualmente aqui visados e utilizaria uma linguagem mais contundente, sempre que se tratasse de atingir figuras com responsabilidades governamentais.
Penso ter percebido o que me quis salientar, mas não é, na verdade, minha intenção fazê-lo exactamente nos moldes preconizados (ver sugestão final), até porque, se, por exemplo, há burros na questão, esses, somos todos nós, os que pusemos no poder as tais figuras, mesmo quando insistiram em repetir asneiras anteriores.
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É preciso, criar movimentos, isso sim, de desmascaramento das vergonhas a que assistimos todos os dias e repetir, alto e bom som, que esta m... está cada vez pior.
Para apenas citar um exemplo, direi que foi com profunda mágoa que, na semana finda, descendo eu a Almirante Reis, me dei conta de que é já enorme a bicha de indigentes que, à porta de uma cozinha da Misericórdia ali existente, aguarda, de panela na mão, a esmola de uma sopa quente.
Ora isto, se é um vexame para qualquer governo, é uma afronta para quem, tendo trabalhado sempre, pensava não ter contribuído com o seu voto para este tipo de sociedade, a que um motorista de táxi com quem falei ontem chamou "do quarto mundo" ("no terceiro já não deve ser assim", dizia o meu interlocutor ocasional, extravazando o seu pessimismo. "Que raio de via socializante é esta!...")
Mas voltando às recomendações veladas do meu amigo, leitor amável destas croniquetas, sempre vos digo que (reflectindo melhor...) não tarda, que eu próprio perca a cabeça, quebre o verniz, vá ao dicionário de calão e...desabafe, até a moral pública mo consentir e a decência mo autorizar. Porque a verdade é esta: também há por aí muita gente que votou ontem de boa fé e no dia seguinte se achou enganada. E essa nem sempre tem acesso às colunas dos jornais.
Por isso, fica assente que, daqui por diante, passa a vigorar, no meu caso, uma "nova ordem": xingarei, sim (livremente e se for capaz) mas... por encomenda (dos acontecimentos...) Se for necessário. Em nome da senhora D. Opinião Pública. Não utilizarei, contudo, as palavras obscenas que me possam ser sugeridas. Servir-me-ei, outrossim, mais assiduamente, de um dicionário de sinónimos que tenho à cabeceira para me ajudar, até agora, apenas a fazer inocentes palavras cruzadas.
Em suma, em lugar do insulto destrambulhado, que rejeito, utilizarei a descompostura objectiva e seleccionada - conforme os "pedidos" que me cheguem. Informo, entretanto, e "para os devidos efeitos" que, para além de um dicionário de sinónimos (simpático) também possuo um dicionário de calão (de Albino Lapa).
Enquanto houver filas para a sopa quente da Misericórdia, contem comigo - sem demagogia. Mas não se excedam que, não obstante a riqueza da nossa língua, as situações podem ser tantas que esgotem o vocabulário bárbaro existente..."
Bela crónica meu Amigo.Fico a aguardar as frequentes consultas aos dicionários.E quando o vocabulário acabar, inventam-se novas palavras, que a língua portuguesa é viva e a inspiração para criar novas palavras (palavrões), é muita.Um beijo da Luísa Barragon
ResponderEliminarObrigado, Luísa! Na próxima Feira do Livro, pelos modos, vou ter que dar mais uma volta para ver se encontro melhores edições do que as que tenho. Se não encontrar...se não encontrar, no meu recolhimento, socorrer-me-ei do velho e sempre enérgico toma do Zé - até que o braço me doa...Logo se vê...
ResponderEliminarUm abraço.