sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Canteiro de palavras ( I )

Para os Visitantes da ruadojardim7

Há um canteiro de palavras
Nesta ruadojardim 
Aqui rimo, aqui lavras
Eu por ti, tu por mim 

Luandino Vieira in Luuanda:

"(...) É assim como um cajueiro, um pau velho e bom, quando dá sombra e cajús inchados de sumo e os troncos grossos, tortos, recurvados, misturam-se, crescem uns para cima dos outros, nascem-lhes filhotes mais novos, estes fabricam uma teia de aranha em cima dos mais grossos e aí é que as folhas largas e verdes ficam depois colocadas, parecem são moscas mexendo-se, presas, o vento é que faz. E os frutos vermelhos e amarelos, são bocados de sol pendurados.As pessoas passam lá, não lhe ligam, vêem-lhe ali anos e anos, bebem o fresco da sombra, comem o maduro das frutas, os monandengues roubam as folhas a nascer para ferrar suas linhas de pescar e ninguém pensa: como começou esse pau?


Olhem-lhe bem, tirem as folhas todas, o pau vive. Quem sabe, diz o sol dá-lhe comida por ali, mas o pau vive sem folhas. Subam nele, partam-lhe os paus novos, aqueles em vê, bons para paus-de-fisga, cortem-lhe
mesmo todos; a árvore vive sempre com os outros grossos filhos dos troncos mais-velhos agarrados ao pai gordo e espetado na terra.


Fiquem malucos, chamem o tractor ou arranjem as catanas, cortem, serrem, partam, tirem todos os filhos grossos do tronco-pai e depois saiam embora, satisfeitos, o pau de cajú acabou, descobriram o princípio dele. Mas chove a chuva, vem o calor, e um dia de manhã quando vocês passam no caminho do cajueiro, uns verdes pequenos e envergonhados estão a espreitar em todos os lados, em cima do bocado grosso, do tronco-pai. E se nessa hora com a vossa raiva toda não lhe encontrar o princípio, vocês vêm e cortam, rasgam, derrubam, arrancam-lhe pela raiz, tiram todas as raízes sacodem-lhes, destroem, secam, queimam-lhes mesmo e vêem tudo a fugir para o ar feito muitos fumos, preto, cinzento-escuro, cinzento-rola, cinzento-sujo, branco, cor de marfim, não adiantem ficar vaidosos com a mania que partiram o fio da vida, descobriram o princípio do cajueiro.


Sentem perto do fogo da fogueira ou na mesa de tábua de caixote, na frente do candeeiro; deixam cair a cabeça no balcão da quitanda, cheia do peso do vinho ou encham o peito do sal do mar que vem no vento; pensem só uma vez, um momento, um pequeno bocado, no cajueiro, então, em vez de continuar descer o caminho da raiz à procura do princípio, deixem o pensamento correr no fim, no fruto que é outro princípio e vão dar encontro aí com a castanha, ela já rasgou a pele seca e escura e as metades verdes abrem como um feijão e um pequeno pau está a nascer debaixo da terra  com beijos da chuva. O fio da vida não foi partido.


Mais ainda: se querem outra vez voltar no fundo da terra pelo caminho da raiz, na vossa cabeça vai aparecer a castanha antiga, mãe escondida desse pau de cajús que derrubaram, mas filha enterrada doutro pau. Nessa hora o trabalho tem de ser o mesmo, derrubar outro cajueiro e outro e outro...


É assim o fio da vida. Mas as pessoas que vivem não podem ainda fugir sempre para trás, derrubando os cajueiros todos e nem correr sempre muito já na frente, fazendo nascer mais paus cajús; é preciso dizer um princípio que se escolhe: costuma-se começar, para ser mais fácil, na raiz dos paus, na raiz das coisas, na raiz dos casos, na raiz das conversas."

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