A actualidade da Ramalhal Figura,
in As Farpas
"(...) O imposto é a base do orçamento do Estado, o qual (...) constitui o feixe de todos os encargos da política, da administração, das relações internacionais e finalmente da civilização. Sempre que as despesas do Estado excederam o cálculo provável do lucro dos cidadãos, a sociedade acha-se em desequilíbrio e ameaça dissolução ou revolta.
O rendimento médio de uma família burguesa em Lisboa pode-se calcular que seja 600$000 réis.Computemos em quatro pessoas os membros de cada família. A alimentação diária de cada indivíduo não pode importar em menos de 250 réis por pessoa, ou mil réis diários por família, o que dá uma soma anual de 360$000 réis. Queira V.Exa. acrescentar a isto a renda de casa, calculada segundo uma das leis da economia doméstica na sexta parte do rendimento total, ou 100$000 réis. A soldada de um criado custa, pelo mínimo, 24$000 réis por ano. O custeio do ménage, mobília, louça, roupa branca, utensílios de cozinha, artigos de lavatório, reparos e consertos, não pode orçar-se para quatro pessoas de família em menos de 50$000 réis anuais. O fato, calculado na mais estrita economia em 20$000 réis por pessoa, monta a 80$000 réis por família.
Recapitulemos (nota: estamos em 1875. Há que actualizar, claro ...)
Alimentos ............ 360$000
Renda de casa ..... 100$000
Soldadas .............. 34$000
Custeio da casa ... 50$000
Vestuário ............. 80$000
SOMA ................ 614$000
Deduzidas do rendimento médio de uma família burguesa em Lisboa as despesas indispensáveis para a subsistência, temos pois um deficit de 14$000.
É deste saldo negativo que o Estado percebe (no original, o descritivo):
"Décima industrial, décima pessoal, impostos aduaneiros sobre os tecidos do vestuário, impostos municipais sobre os géneros alimentícios, deficit precedente - Soma 114$000.
A importância destes 114$000 réis é cerceada nos alimentos. Assim, as famílias de professores, de caixeiros, de industriais, de funcionários públicos, etc, com vencimento de réis 600$000 e daí para baixo, que o Estado força a uma contribuição de 100$000 réis pelo menos, padecem privações e passam fome.
Que significa um semelhante estado de coisas, Exmo. Senhor, senão uma provocação constante e permanente à infidelidade e à corrupção ou, quando não, à resistência e à anarquia?
Quando o Estado se atribui semelhantes faculdades, quando ele não fixa às suas despesas um maximum calculado sobre os lucros dos contribuintes, o Estado explora.
Por mais que para a civilização e para o progresso ele pareça um cooperador diligente e zeloso, para o cidadão explorado o Estado é um inimigo, de que cada um deve defender-se pela resistência ou pela evasiva.
Pela minha parte declaro que, se o fisco mantiver a verba de 40$000 réis em que sou colectado como escritor público, prefiro deixar de escrever a continuar a pagar. E, para me habituar desde já à minha condição de analfabeto a que me destino, pedi à minha cozinheira, a Srª Maria do Ó, que esta por mim fizesse, e assino de cruz.
De V. Exa.
O mais reverente venerador "
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