sexta-feira, 30 de março de 2012

Carta do padre António Vieira

A D. Rodrigo de Meneses, no último dia de Dezembro de 1672:

"... Portugal, senhor, está no mais miserável estado em que nunca o conheci nem considerei, e a maior miséria é o nosso engano, e a maior guerra a nossa mal entendida paz. Já me contentara que fôramos a segunda Galiza com segurança; mas esta não sei, nem vejo sôbre que fundamentos no-la possamos prometer. É necessário governarmo-nos com a espada sempre na cinta, e com a balança na mão, pesando os poderes de todos os principes, e fiando-nos só do próprio. Não estamos em tempo de el-rei D. Manuel ou D. João III em que só os nossos astrolábios sabiam navegar, e só os nossos galeões tinham nome.

Holanda, Inglaterra e França, se têm feito potentíssimos no mar, e por isso uns podem contrastar e outros resistir à fortuna nos maiores apertos dela; e porque Espanha (cujos êrros nós seguimos devendo aprender dêles) o não fez assim, se começou a perder, e perderá de todo, se não abrir os olhos, como já parece quere fazer.

A mesma Espanha é inimiga nossa irreconciliável, e todos os castelhanos em nenhuma outra coisa têm pôsto a mira, que tornar a ser senhores de Portugal. Assim o oiço nas bôcas de todos, e lho vejo muito melhor nos corações, e cada dia saem impressos nas gazetas de Itália e Alemanha, não só indícíos dêstes intentos, mas os fins declarados dêles entre os quais andou mui vulgar estes dias o do casamento do duque de Iorque com a casa de Áustria, para que Espanha unida com Inglaterra nos conquistasse, repartindo-se entre os dois o Reino e as Conquistas, falando-se na legitimidade da nossa Princesa, e no direito do Príncipe, com têrmos tão indecentes a nós, como assentados no juízo de muitos.

De Inglaterra não tenho que dizer de novo, e quando falo em Inglaterra, não exceptuo a ninguém; mas Inglaterra, França e Holanda, todos têm os olhos postos nas conquistas, e não têm outras para onde olhar, senão as nossas, que só com armadas prontas no rio de Lisboa se podem defender, e ainda que aí apodreçam, ao parecer inùtilmente, só elas são os muros das Conquistas (...)."

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